segunda-feira, 30 de maio de 2016

O PROFETA LIBERAL


“E não ensinará alguém mais a seu próximo, nem alguém, a seu irmão, dizendo: Conhecei ao SENHOR; porque todos me conhecerão, desde o menor deles até ao maior, diz o SENHOR; porque perdoarei a sua maldade e nunca mais me lembrarei dos seus pecados.” Jeremias 31.34

Liberal sim e por uma razão muito simples: Jeremias propunha um despertar do sagrado que fosse além dos conceitos. Estes, esgotados como determinação de conduta por meio dos ritos e da Lei, mostraram-se insuficientes e ineficientes. Liberdade, anunciava o profeta, de tal modo que permitisse uma radical libertação.

Radical e no plural. E foram muitas as liberdades anunciadas e esperadas. A primeira, clara no texto, seria a libertação do sofrimento causado pelo que, genericamente, o profeta chama de maldade e pecado. A segunda, a libertação do ensino, do conteúdo, do que é passado e fornecido como correto, e que vem no enigmático “e não ensinará alguém mais a seu próximo”. Trata-se do conhecer sem o aprender, porque este já supõe o domínio do conhecido por parte de alguém que ensina. A terceira libertação, em decorrência da anterior, seria a insubmissão ao modelo imposto pelos dominadores da religião. Ou seja, na segunda, está a libertação do conteúdo, ou do que é/deveria ser, e na terceira está a libertação do poder que ensina e estabelece a verdade. E quem foi que disse que  o poder tem a voz da verdade? Jeremias olhou toda aquela religião organizada, bem assentada nos princípios, sistematizada, e fez uma pergunta fundamentada na vivência, algo como um não tem nada além disso? Além, ou aquém, estava a profundidade que move a existência.

Na trilha dos estudiosos da profundidade da alma, Jeremias já suspeitava, ou afirmava, que o ser humano não se limita ao que conhece, e que tem uma forma de “conhecimento” antes do conhecimento, e a ética não depende apenas do saber o conteúdo, mas tem a sua percepção para além do que pode ser aprendido e ensinado. O ensinado vem depois, e quando aparece, já está pensado e interpretado. E o pensado e interpretado, no tempo de Jeremias, tinha seu acabamento na insuficiência dos ritos e da Lei. Tinha que exceder a justiça dos escribas e fariseus, diria Jesus muito tempo depois. E o exceder é a libertação da clausura da hermenêutica de cabresto. Libertando-se dos conceitos, liberta-se também dos que têm o domínio da interpretação.

Então Jeremias por intuição (já que não era filósofo), e se opondo aos frangalhos da religião oficial que o perseguia (já que era profeta), declarou os limites da lei quanto ao ensino, colocou a esperança como integrante e pertencente aos desejos sublimes da interioridade humana, e ainda descartou os mestres, senhores do comando, os mandantes das determinações, das regras e dos ritos, afirmando que aqueles já não seriam mais proprietários do sagrado. E conclui com uma socialização do imaginário religioso, pois pertencerá a todos, indistintamente todos, dos pequenos aos grandes, e colocou assim na ordem crescente, porque a ordem dos fatores aqui, altera o produto. Começa com os considerados sem importância, e estes irão ensinar os mais velhos, desde baixo (para não ser ideológico), e desde o interior da alma (para haver pureza). A purificação fará a pureza, e será o pertencimento antes da doutrina, ou do dogma. É o presente da limpeza, como dádiva e que vem do profundo da alma. A purificação, assim, vem antes do purificado saber o que seria purificação, vai limpando a causa o banindo a maldade e o pecado.

O profeta, desacreditando em templos, rituais e homilias, procurou encontrar o impulso para a espiritualidade desde dentro, desde o profundo. Liberdade dada e tida como um emergir, sem ensino, sem rituais, sem o domínio da Lei, sem sacerdotes, e até sem intérpretes; liberdade no sentido mais amplo possível. Só essa liberdade gera libertação. Jesus a chamaria de Graça, algo que até hoje a cristandade ainda tenta compreender o que significa, e por falta de compreensão procura colocar nela determinados limites, e quando o faz, a Graça deixa de ser Graça.

Um profeta liberal, e quem não é?

Natanael Gabriel da Silva

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