“Na verdade vos
digo que não passará esta geração, sem que todas estas coisas aconteçam” –
Marcos 13.30
O texto religioso
ou o bíblico, se preferir, é fundamentado em diretrizes universais e ideais
para a existência humana. Seus ditos e narrativas, longe de se transformarem
exclusivamente em dados objetivos e históricos, propõem sempre uma leitura que
excede o seu provável significado. Assim, a abertura do Mar Vermelho, não é
apenas um mar que se abre. Explicar cientificamente a possibilidade de um mar
abrir-se ou não, não é suficiente para o texto. Por ser uma narrativa religiosa,
o seu significado vai além da realidade e vira sonho. Neste caso um mar que se
abre, como barreira intransponível, tem mais significado como símbolo de fé do
que qualquer outra coisa que se possa afirmar a partir dele como acontecimento.
Transforma-se assim em sonho para toda e qualquer opressão; símbolo universal
de liberdade e superação de intempéries. É a porta de saída do mal para a terra que mana leite e mel. Não precisa mais que isso, pois todos desejamos o paraíso.
Os eventos
sobrenaturais oferecem à literatura um fator de perenidade, isto é, a
ocorrência poderá incidir sobre qualquer lugar ou tempo, inesperadamente, como se
fosse um eterno presente. Não é observado como um passado, mas é tanto
presente, como expectativa do futuro, daí a razão pela qual o céu apocalíptico
vira o paraíso da criação. Deste modo, um mar que se abre é esperado como
acontecimento provável até mesmo em vivências pessoais, bastando a situação ser dada como limite e desespero, sendo o seu significado sempre
renovado. O desespero de quem espera é sublimado pela esperança, porque o mar não é propriedade de tribos judaicas, e nem está no Oriente Médio, mas se dá como
espalhado, e espelhado, no imaginário individual e coletivo. Em qualquer
momento pode ocorrer outra vez, não será igual, mas parecido, não será nem mar,
mas será a porta de saída de um deserto qualquer.
O discurso
religioso, só é religioso, porque supera o evento e sobrevive no imaginário e vira metáfora. É
visitado, ressignificado, vivenciado várias vezes e disponível para apropriação
por meio do que é chamado, imprecisamente, de fé.
Deste modo, tal
discurso, não padece de encerramento, mas sobrevive no encantamento. Não sofre de morte, matada ou morrida por
meio de questionamentos, comprovação ou negação científica, porque é fundante
cultural. Não termina e nunca deixa de ter validade. Os significados vão
mudando por bricolagem e as aplicações se tornam múltiplas. Não há limites
para ser reinterpretado, aplicado ou esperado. Deixou de ser um ponto aprisionado pela história. Não pertence a um único povo ou época. Nem aconteceu exclusivamente
para resolver um problema específico. Torna-se universal e atemporal. Para que
isto ocorra, o evento vai recebendo novas cores, vai se dando por atualizado
conforme a cultura, época e necessidade. É sempre confirmado, ou como
esperança, ou por semelhança e adaptação. Assim mantém o conjunto total de
elementos que o fizeram nascer na origem. E a origem é sempre a síndrome do
perfeito, e pelo texto, ela pode ser alcançada. Fica uma visão de quem a vê de
longe, sem entender muito, e não precisará de confirmação da existência do
Paraíso, porque a certeza vem antes da confirmação. Neste caminho, se o evento
pode ser confirmado ou não, pouco importa. Mesmo que haja indícios, seja de
confirmação ou de ausência, o que permanece é o discurso. É por conta disso que
a ênfase que dá sobre se em Jericó havia ou não muralha, já que nenhum indício
foi encontrado, não faz qualquer diferença. O imaginário religioso não pode
perder Jericó e irá declarar, sentenciar e até mesmo determinar que as muralhas
lá estiveram e que hoje são parte das forças do mal que têm que ser derrotadas
ao som de trombetas. Surge então a atualização e venda de trombetas; e haja
vuvuzelas para os transformadores de mitos em lucros nas comunidades pós-modernas! A muralha, não é mais um muro físico, nem o Mar Vermelho um
ajuntamento de águas, nem as trombetas são trombetas. Deixaram de ser coisas e
se tornaram ideias e crenças.
Comecei
mencionando Marcos. E no texto a expressão "geração", não é geração, apesar de muitos
vincularem a narrativa à Jerusalém, como confirmação de uma profecia. A
profecia não necessita de confirmação pra ser profecia. Quando ocorre, ocorre.
Quando não, ainda está para se cumprir. Não é possível fazer a negação de uma
profecia, porque o sim já está implícito no discurso. Neste caso, geração aqui
em Marcos pertence a qualquer tempo, é a de hoje, foi a de ontem, será a do futuro, e
enquanto houver vida. Geração é a iminência do agora, justamente porque não foi
ontem. Poderá ser amanhã, mas é apenas uma questão de um depois, e as coisas irão finalmente, e fatalmente, acontecer. Se não aconteceram, é porque não chegou o tempo. Espera-se pra
agora, daqui a pouco, amanhã, e quem sabe no quando dos filhos dos filhos. As
palavras devem continuar válidas, precisam se tornar perenes, e ficamos todos à
espera do que as palavras dizem, do que as profecias apontam, a superar
qualquer negação, contradição ou descrédito.
Não entendeu?
Então bem-vindo ao discurso religioso.
Natanael Gabriel
da Silva
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