segunda-feira, 16 de maio de 2016

MEU PAI TRABALHA ATÉ AGORA


“Mas Jesus lhes respondeu: Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também.” – João 5.17.

Eu sei que você vai ler o texto acima e pensar na palavra trabalho. Coisa do nosso tempo, do trabalho e produção na sociedade weberiana do capitalismo a perseguir o protestantismo, ou vice-versa. Amamos tanto o trabalho, que perdemos o tempo do texto, e o ‘agora’, ou “até agora”, é que dá sentido ao rompimento de Deus com o próprio sagrado: Deus também trabalha aos sábados, e eu só estou fazendo o que ele faz, disse Jesus.

E o trabalho tinha sido esse mesmo. Enquanto os judeus se reuniam em festa, religiosa e litúrgica, é claro, Jesus fora ao lugar dos miseráveis, em busca da miséria, não muito longe do templo e da festa, e caminhou entre os esquecidos, e lá entre os miseráveis havia alguém, sem nome, sobrenome ou pronome, à espera de um anjo, um milagre, uma aparição, um cair do céu que não era céu, que viesse de algum canto, mas que não era do templo, nem das pessoas, mas do sobrenatural mesmo e fizesse o que se pensava, ou desejava, ou ainda no que se acreditava apenas como esperança, e o anjo sem corpo mergulharia na água sem ser visto, transformaria aquela água em esperança e vida, e daí quem entrasse primeiro seria curado de qualquer coisa, fosse o que fosse, bastava entrar, na corrida dos miseráveis, excluídos, abandonados e que nem sabiam o que tanto eram, caia-se na água doente e saía curado pelo milagre. Foi a esse imaginário de fim da esperança que Jesus foi. Sequer se deu à preocupação de conversar sobre anjos e demônios, nem sobre o passado do miserável, nem do seu nome, não disse mais nada a não ser o toma a tua maca e anda, coisa impossível a quem sequer conseguia sair do lugar. E era sábado.

No sábado era possível fazer festa, celebrar e cantar, mas não dar vida a quem precisava.

O curado, que não sabia quem era Jesus, não tardou a entregá-lo para os judeus, com a finalidade de livrar a própria fidelidade. O miserável, que abandonara a condição de miséria, tão logo se viu livre da tragédia, galgou os espaços do crescimento na vida e foi juntar-se aos que antes o haviam esquecido, e abraçou a religião que o condenara e tornou-se um deles, porque a miséria humana tem memória curta e juntar-se aos libertadores, mesmo que opressores, é melhor que estar no meio dos excluídos, pois o pertencimento e submissão voluntária explicam a ausência de necessidade de esforço do opressor.

Então questionaram Jesus e saiu a pérola da condenação do sagrado que segrega, exclui, e é incapaz de ver a miséria, compadecer-se dela e ver na libertação da vida o sentido da profundidade do discurso religioso. Eu nunca pensei num Deus trabalhando no dia do sagrado, como se este não tivesse qualquer importância; é a declaração de que tudo estava às avessas, e o caminho da misericórdia não poderia passar pela trilha da religião sem o humano, mesmo que o próprio curado não tivesse compreendido isso. Isto porque a ingratidão não é a mediadora da graça, e a graça continua sendo graça, mesmo quando não é compreendida ou abraçada.

Um Deus que trabalha aos sábados: simplesmente genial.


Natanael Gabriel da Silva

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