“Mas Jesus lhes
respondeu: Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também.” – João 5.17.
Eu sei que você
vai ler o texto acima e pensar na palavra trabalho. Coisa do nosso tempo, do
trabalho e produção na sociedade weberiana do capitalismo a perseguir o protestantismo, ou vice-versa.
Amamos tanto o trabalho, que perdemos o tempo do texto, e o ‘agora’, ou “até
agora”, é que dá sentido ao rompimento de Deus com o próprio sagrado: Deus
também trabalha aos sábados, e eu só estou fazendo o que ele faz, disse Jesus.
E o trabalho
tinha sido esse mesmo. Enquanto os judeus se reuniam em festa, religiosa e litúrgica,
é claro, Jesus fora ao lugar dos miseráveis, em busca da miséria, não muito
longe do templo e da festa, e caminhou entre os esquecidos, e lá entre os
miseráveis havia alguém, sem nome, sobrenome ou pronome, à espera de um anjo,
um milagre, uma aparição, um cair do céu que não era céu, que viesse de algum
canto, mas que não era do templo, nem das pessoas, mas do sobrenatural mesmo e
fizesse o que se pensava, ou desejava, ou ainda no que se acreditava apenas
como esperança, e o anjo sem corpo mergulharia na água sem ser visto,
transformaria aquela água em esperança e vida, e daí quem entrasse primeiro
seria curado de qualquer coisa, fosse o que fosse, bastava entrar, na corrida
dos miseráveis, excluídos, abandonados e que nem sabiam o que tanto eram,
caia-se na água doente e saía curado pelo milagre. Foi a esse imaginário de fim
da esperança que Jesus foi. Sequer se deu à preocupação de conversar sobre
anjos e demônios, nem sobre o passado do miserável, nem do seu nome, não disse
mais nada a não ser o toma a tua maca e anda, coisa impossível a quem sequer
conseguia sair do lugar. E era sábado.
No sábado era
possível fazer festa, celebrar e cantar, mas não dar vida a quem precisava.
O curado, que
não sabia quem era Jesus, não tardou a entregá-lo para os judeus, com a
finalidade de livrar a própria fidelidade. O miserável, que abandonara a
condição de miséria, tão logo se viu livre da tragédia, galgou os espaços do
crescimento na vida e foi juntar-se aos que antes o haviam esquecido, e abraçou
a religião que o condenara e tornou-se um deles, porque a miséria humana tem
memória curta e juntar-se aos libertadores, mesmo que opressores, é melhor que
estar no meio dos excluídos, pois o pertencimento e submissão voluntária
explicam a ausência de necessidade de esforço do opressor.
Então
questionaram Jesus e saiu a pérola da condenação do sagrado que segrega,
exclui, e é incapaz de ver a miséria, compadecer-se dela e ver na libertação da
vida o sentido da profundidade do discurso religioso. Eu nunca pensei num Deus
trabalhando no dia do sagrado, como se este não tivesse qualquer importância; é
a declaração de que tudo estava às avessas, e o caminho da misericórdia não
poderia passar pela trilha da religião sem o humano, mesmo que o próprio curado
não tivesse compreendido isso. Isto porque a ingratidão não é a mediadora da
graça, e a graça continua sendo graça, mesmo quando não é compreendida ou
abraçada.
Um Deus que
trabalha aos sábados: simplesmente genial.
Natanael Gabriel
da Silva
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