“Jesus
lhe disse: Filha, a tua fé de salvou, vai-te em paz e fica livre desse teu
mal.” – Marcos 5.34
Quando
se faz uma análise da vida de Jesus e o discurso que se fez cultura, talvez
fosse bom estudar o modo como ele encorajava as pessoas. Encorajar é encher o
outro de coragem e vontade. É o contrário do desestimular ou conduzir o
outro a perder o interesse. E Jesus fazia isso até mesmo quando não dizia nada,
e este nada era cheio de sentido, como no silêncio diante de Pilatos.
A
nossa conversa não é sobre Pilatos, mas sim a expressão “a tua fé te salvou”, e
eu sei que a discussão tem sido no entorno do “salvou”, conteúdo, situação e
tempo. O debate sobre “tua fé” é mais
pobre, porque discute-se se “tua” aqui é
o possuir antes, ou receber depois. Nos dois casos vira calvinismo contra arminianismo. Não se preocupe com estes termos. Tal encontro, ou
desencontro teológico, faz perder o pronome possessivo, “tua”, como sendo elevação e sublimidade da alma. Ou seja, o perde-se a dimensão pedagógica do discurso, estimulador e restaurador. Numa linguagem simples: encorajador. “Tua” que remete a uma
possibilidade, estabelece uma abertura para o resgate da dignidade, porque
afinal a fé pertencia a ela, mulher, e a centralidade do discurso deixa de ser quem de fato praticou a cura; “tua” transfere o milagre para
a beneficiada e dá a ela um possuir que a libera para a vida, a começar com o
afastamento do mal, para depois construir o futuro.
“Tua”
aqui é muita coisa para o resgate da vida, mas pouco quando o pronome é analisado sob o
crivo da pretensa objetividade teológica. Busca-se, na teologia, o exato sentido de "tua", faz-se então a
leitura das outras situações, noutros textos, que “tua” aparece e elabora-se
uma interpretação por meio de uma aparente generalidade. "Tuas" e "teus" passam a ter um significado próprio, pois a repetição e ocorrência
constroem a verdade e funda a necessária universalidade a partir da qual são
declinadas todas os demais “tuas”. Fica fácil, mas também pobre.
Só que
diga para mulher do texto que ela contribuiu para a interpretação mais adequada
de um pronome que aparece em muitas narrativas. Diga isso pra
mulher sem nome, sozinha e pobre numa sociedade machista e excludente. Uma
mulher doente e que gastara tudo o que tinha com médicos. A mulher que não
tinha nada e recebeu, de presente, salvação e “tua”. Diga a mesma coisa da
expressão “salvou”, para ver se ela ficaria satisfeita com tal resposta. E nem
adianta procurar no texto as intenções dela, o que pretendia, desejava, ou
esperava, porque o texto não traz. A teologia dela era puramente intuitiva e
ninguém lhe disse o que deveria fazer. Nem a mística do toque que ocasionou a
cura pode responder, porque o que ela queria mesmo era a saúde, procurou,
insistiu, persistiu e realizou. Só. Fez o que pensou que poderia fazer e depois
foi curada. Escutou “a tua fé te salvou”, vá em frente porque boa parte do que
foi feito dependeu também de você, continue assim. Daí a palavra “tua” é transformada na força capaz de jogar a vida
dela para o futuro e assim poderia ir em paz. E foi. Tudo lhe pertence, tanto “a
tua fé te salvou”, como o “vai em paz”, porque é você quem vai e pode ir sem
depender de mais nada, mesmo que isso não seja absolutamente verdade. Fica
livre desse mal. O mal da doença e o de não ter futuro ou disposição para
conquistá-lo. O mal, Jesus curou. "Tua" era o futuro.
Ela
sabia que não era isso. Sabia desde há muito que não faria nada sozinha, que
outros, também limitados, não dariam conta em ajudá-la. Ela não se bastava e “a tua fé te
salvou” não soou como uma afirmação absoluta. Sabia da própria limitação.
Só que precisava escutar “a tua fé te salvou” para ser participante e
construtora da própria existência e confiança para o retornar ao estranho e
violento mundo. Jesus deu-lhe a cura, a restauração da dignidade e o
presente da participação na construção de si, do que era e seria, e foi por
meio de um pronome, "tua", e pode ir porque levará consigo tanto a saúde
quanto a disposição de tornar-se (eu quase completei a frase com “pessoa”, mas
Carl Rogers acharia pouco original).
“A tua
fé te salvou”, foi mais que teologia e está além da análise de um texto. Jesus a impulsionou. Revigorada, a fé ficou sendo
dela, pra sempre. Só e apenas dela.
Natanael
Gabriel da Silva
Nenhum comentário:
Postar um comentário