sábado, 14 de fevereiro de 2015

AS FLORES E O VENTO

"Lembra-te do teu Criador nos dias da tua mocidade...” Eclesiastes 12.1

Não sou especialista em música. Só um escutador. Eu sei que estou atrasado, mas conforme o tempo passa, vou me dando como admirador do chamado Pessoal do Ceará, entusiastas pela igualdade e fraternidade, em oposição ao oportunismo dos, então, chamados Novos Baianos, que juntados aos poetas da resistência, se dão no discurso de Belchior como crianças que pediam permissão para se tornarem artistas e rebeldes, e enriquecidos pela miséria, viam o mundo azul por conta dos óculos escuros, na busca do conforto necessário, pois de carrão podia-se chegar mais rápido à revolução.

Pois bem, assim Fagner, do Pessoal do Ceará, me pareceu uma boa opção para um sábado de manhã, e as flores com o tempo que perdem a força e a ventania vem mais forte, resgatou o dia quando me dei conta de que os mesmos ventos, sempre os mesmos, nem mais, nem menos intensos, haviam se tornado mais fortes em razão da fragilidade que simplesmente um dia havia aparecido. E o discurso de que somos sempre os mesmos não leva em consideração, nem a natureza, nem a insuficiência insuperável da longa caminhada. Assim o ceticismo, em menor ou maior grau, é quase inevitável; e as paixões e ilusões perdidas nas lembranças, vão tornando você quem agora é, e o coração alado, sai a voar, e vai desfolhando os olhos, retirando as camadas e véus que antes ofuscavam a vida. Uma estrada só, cantava Fagner, de um caminho só, para uma só jornada; daí é só deserto. 

O ceticismo em contraponto à beleza do encanto pela vida, proposto por Fagner, é o drama da experiência com a dor da descoberta, e o saber viver parece chegar sempre tarde demais. Este ceticismo, dizia, está lá no também cético pregador de Eclesiastes. Não é uma questão de se, mas do quando as flores terão o seu momento de fragilidade e não suportarão o vento que sempre foi e será; e não haverá sonho de fortalecimento capaz de alterar a prerrogativa da angustia heideggeriana. Daí a recomendação do lembrar-se do Criador desde a mocidade. Não é uma promessa de que, num dado momento, a força será renovada como se a juventude pudesse ser novamente o fundamento, porque não é verdade, mesmo que Isaías e sua águia digam o contrário.  

Então, para o modesto pregador, profeta do ceticismo e do trágico existencial, uma vida com Deus não se escreve como uma foto, mas é um deslocamento no tempo, um desde a mocidade, um quando mais cedo melhor, uma jornada de dias percorridos que só faz sentido quando as flores perdem a força, ou quando a vida for se esvaindo, como prefere o pregador; de qualquer modo, tempo percorrido, vivido, gastado e presenciado com o acompanhamento do Criador, passo a passo, dia a dia. Não há promessa de mudança, cura, reposição do corpo, ou qualquer outra coisa. Trata-se apenas do pastoreio e presença do Santo na reflexão da vida, do tentar refazer até onde a memória alcança, na confirmação de que valeu a pena. Não tem importância se o tempo cria um lapso entre a memória presente e a remota, porque esta será mais importante, e virão histórias repetidas, narradas para amigos como se primeira vez fosse, e ninguém suportará o risinho de quem se cansou de escutar as mesmas coisas, e você nunca saberá a razão cômica, porque a memória não ajudará o que aconteceu ontem, mas o menos importante será o imediato outrora, o que valerá será a vida escrita desde a mocidade, será sempre uma memória da presença do Sagrado, seu ilimitado amor, seu cuidado em ter feito a vida bela, da segurança que não se explica, nem a vida e seus valores, construída como se natural fosse. 

Não fora natural, apenas uma opção e escolha em querer o Criador como companheiro e amigo.

Natanael Gabriel da Silva

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