“e disse-lhes: Ide à aldeia que está defronte de vós; e
logo, que ali entrardes, encontrareis preso um jumentinho, sobre o qual ainda
não montou homem algum; soltai-o e trazei-mo.” Marcos 11.2
A teologia construída, tida e havida, a partir do lombo de um
jumento é a da caminhada. É como a poesia que vai sendo escrita somente no
movimento, ou ainda aquela do Severino Retirante, que no deslocamento, procura
o sentido da vida pela trilha da vida que parece não ter sentido. Belchior, ao
declarar a vida como namorada, diz: “é caminhando que se faz o caminho”, e é o
mesmo que afirmar que o sentido da vida é uma construção. Uma construção que, ao
construir, se reconstrói, e pelo caminho vai caminhando e encontrando gente.
Gente e mais gente. Pessoas, abandonados, solitários e doentes. E numa palavra
o mal do portador da legião é libertado e só foi encontrado por conta do
caminhar, era um banido, um ilustre sem nome que virou pessoa. Tem também a
impura, que só pelo toque, é libertada da tragédia da vida. Qual a razão? É
muita coisa, mas é também o caminhar, o deslocamento, o dar-se como pessoa a uma
pessoa, do pastoreio no meio do povo. E o cego? Onde estava? À beira do
caminho, por onde passaria aquele que se deslocaria e que estava sempre em busca de pessoas. E não foi também caminhando sob o peso da cruz que se deu a aula
existencial da história humana? Claro que foi. Lá estavam, pela rua caminhando,
a profunda santidade, a ingenuidade e a pureza,
expostas diante da malignidade e crueldade humana. Tudo isto na indescritível
caminhada, no deslocamento, e até quando esteve no Templo, Jesus o fez apenas
de passagem, só para condenar a religião paralisada, liturgicamente dez, humanamente zero, cheia de atrocidades em nome de Deus, organizada, engessada nos
ritos, credos e dogmas; estes articulados e utilizados não em favor da vida,
mas contra ela; não em favor do humano, mas contra ele. Daí a mulher samaritana estava preocupada com
o lugar da habitação de Deus, para uma perfeita adoração, e a resposta de
Jesus, sem dúvida enigmática, mencionou o movimento do vento (espírito – pneuma),
e só faltou Jesus dizer que o lugar da verdadeira adoração é por aí, é um
não-lugar que se desloca com a pessoa, o mesmo não-lugar que o havia levado a encontrar-se com ela,
quase por acaso.
Pois é, a caminhada de Jesus não foi apenas uma estratégia a
divulgar um credo, fazia parte da sua teologia, do lugar fora do templo, a
encontrar e distribuir graça às pessoas, e foi assim a vida toda, pelo caminho
uma samaritana, pelo outro caminho a cura de um filho de um oficial, depois a
cura de paralítico, este sim encontrado junto a um tanque e, enquanto os da
religião oficial, os paralisados, iam ao templo cumprir o calendário das festas
litúrgicas, Jesus fazia a opção de caminhar e buscar os excluídos. Em cada
cena, ou quadro das narrativas, a teologia que antes parecia completa, retoma e
se torna mais completa ainda, mostrando a virtude de Deus que parecia não ter fim:
seu amor e o desejo de resgatar o humano de seu estado de perdição e abandono.
Jesus contou parábolas de sementes jogadas e o movimento do trabalho do
semeador é fácil de ser imaginado, da candeia cuja luz não pode ser apreendida,
da semente que cresce porque a vida não interrompe o seu ciclo, é um constante
deslocamento, do grão de mostarda que vira árvore e abriga a diversidade
incompreensível de tudo, porque na árvore do Reino cabem todos e todas, e
quando alguém poderia ter pensando, pronto já tenho tudo o que preciso, a
narrativa menciona a cura de uma filha de um dos principais da sinagoga, a
mostrar que o socorro à pessoa vem antes da religião, depois multiplicou pães e
só fez isso porque caminhava, depois andou sobre o mar; e basta ler todas estas
histórias narradas no Santo Evangelho Segundo São Marcos (4 a 6). Estão todas
lá.
E foi assim até o fim: caminhou entre as pessoas, caminhou
num lombo de jumento, caminhou levando a cruz e se deslocou, de volta, para o
lugar donde a vida foi inventada.
Natanael Gabriel da Silva
Excelente! Cheio de vida e poético. Bom pra lembrar que a vida está no movimento e, como a fé tá na vida, a fé está sempre no movimento. Seu texto me lembrou do Joerg Rieger falando sobre a importância do caminhar/da viagem na espiritualidade bíblica. Ele fez um ótimo panorama. Caso se interesse, tem o vídeo no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=kJIoKwMMLO0
ResponderExcluirAdair Neto
http://jesusnaoecristao.wordpress.com/
Caro Adair Neto, obrigado pela palavra e recomendação. Já acessei o vídeo. Grato.
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