“Não deis aos cães as coisas santas, nem deiteis aos porcos
as vossas pérolas; para que não as pisem e, voltando-se, vos despedacem.”
Cães e porcos não são metáforas de pessoas, individualmente
consideradas. É a massificação religiosa, acéfala, animalesca, que pisa sobre e
onde não deve, não sabe reconhecer a humanidade de quem distribuiu virtude, e
ainda desconhece o valor da vida, pronta sempre aos atos de bestialidade e
morte. Não, não era exclusividade do judaísmo antigo. A conversa era com eles,
mas a interrupção do discurso sobre o nunca julgar, seguido por uma finalização
evocando a hipocrisia, fez o redator concluir tal hipocrisia com a
bestialidade, e nisto está o superlativo literário. Do julgamento (7.1), à
hipocrisia (7.5) e à bestialidade (7.6), caminho aberto pelo fascínio religioso
que não entende o ser humano, como humano, mas é defensor de sistemas e credos.
Tinha que começar com o julgamento, pois este se dá como
balança entre o bem e o mal, o bom e o mau, o incluído e o excluído, o
pertencido e o marginal, o encaixado no credo e o disforme diferente; coisa de
hipócrita mesmo como se todo o ser humano não fosse uma coisa e outra, como se
a vida não fosse um pêndulo de indecisões que precisa ser constantemente
avaliado para si, e badalasse apenas de um lado; coisa bestial, acéfala, de
quem é capaz de pisar o que há de mais nobre, e ainda ameaçar o interlocutor não
apenas de morte, mas o de fazê-lo em pedacinhos, com o ódio próprio de quem não
sabe, nem de longe, o significado do que seja amor, por mais que reafirme, nos
ditos e nos credos litúrgicos, o amarás a Deus de toda alma e coração.
Às vítimas da acefalia, ou vítimas da religião se preferir,
continua o redator: pedi, e dar-se-vos-á,buscai e encontrareis; batei, e abrir-se-vos-á
(7.7). Não será possível conter a bestialidade da religião que, em nome de
Deus, dilacera e mata, sem piedade, mas será possível encontrar uma porta no
meio de tanta busca. A imagem do verso 7 é urbana, de uma Jerusalém feita por
becos, e os vitimados por conta da bestialidade a correr em busca de refúgio e
socorro. Finaliza o redator, com um texto resumo sobre leis e profetas pouco
enfatizado, por conta de sua força antropológica: “Portanto, tudo o que vós quereis
que os homens vos façam, fazei-lho também vós, porque este é a lei e os
profetas.” (7.12)
Com outras palavras, a bestialidade começa pela hipocrisia, que
começa com o julgamento. Só que o verdadeiro cristianismo começa pelo outro,
(onde eu também estou) pessoa e alvo do amor de Deus.
Natanael Gabriel da Silva
Muito bom o texto pastor. A bestialidade da religiosidade hipócrita é realmente grande.
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