terça-feira, 15 de julho de 2014

UM POUCO


“Um pouco, e já não me vereis, mais um pouco, e me vereis.” João 17.16

Que quer dizer um pouco?

Um pouco é um pouco, ora. Espaço curto de tempo, alguns dias, entre a afirmação e a ressurreição, e nesse pouco estaria a totalidade da paixão. Então seria um pouco de alguma coisa, do tamanho da profundidade do sacrifício, mas apenas um pouco. Um pouco de traição, um pouco de beijo de quem esconde a miséria por meio do afeto, o que a torna mais miserável ainda. Um pouco o caminhar levando a cruz. Ser julgado um pouco, como um contra quem ninguém tem nada, mas será apenas um pouco. Um pouco para experimentar a solidão e o distanciamento do amigo que precisará de um galo pra se lembrar de mim, nada mais que um galo se tornando mais importante que uma história de vida, mas isso será apenas um pouco. Um pouco de jardim da agonia, um pouco de sangue, um pouco de conversa, frases curtas sobre oração, outras frases curtas sobre o sentido da verdade na presença do governador e juiz, mas será apenas um pouco. Carregar a cruz será um pouco, para fora da cidade porque um banido e impuro jamais poderia ser crucificado no centro da santidade histórica e o lugar será deslocado um pouco, vai sair do templo para o monte, e o tal monte se tornará o símbolo da vida enquanto o templo continuará tendo no seu pináculo o domínio do mal, quem lá no começo ofereceu a socorro dos anjos, mas isso é quase nada, é apenas um pouco. Depois um pouco de nudez, um pouco de humilhação na presença de todos.  Cravos nas mãos e nos pés, mas será apenas um pouco. Feridas? Apenas um pouco, um pouco de vinagre, um pouco de lança. Será rápido, mas alguém irá ganhar no jogo as roupas daquele não irá precisar mais delas, mas isso será apenas um pouco. Coisa curta, coisa rápida, coisa que quando se dá conta, já foi, por conta disso será apenas um pouco. Depois um pouco de morte, e então virá a vida.

Só que a preocupação não está no pouco do sofrimento. É que os que não sabem o que é um pouco poderão entrar em desespero. Algo que apontará um esvaziamento, como se um pouco, pudesse ser muito, travessia de poucos dias que parecerá uma eternidade, daí  tristeza, incerteza, medo e ameaça de abandono. O pouco parecerá muito, pois sempre quando se olha para o próprio sofrimento, o tempo cessa como se nunca mais fosse voltar a ser contado outra vez, daí o pouco deixa de ser pouco, e vira muito, insuportavelmente muito. Mas é isso, um pouco, é apenas um pouco, um momento apenas, como se não fosse importante, como se a dor não fosse grande, como se a morte não fosse morte, porque afinal de contas, não será mesmo. Será, e não será, e muita gente vai gastar tempo depois a questionar isso, se houve mesmo morte ou não. O importante não é isso. O importante é o pouco. Passa rápido. Nada de abandono. E quando a vida brotar, pouco depois, será possível compreender que o muito sofrimento fora, de fato, apenas um pouco.

Natanael Gabriel da Silva

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