quinta-feira, 17 de julho de 2014

O DESAFIO DO AMOR, DE NOVO



Aquele, pois, que sabe fazer o bem e o não faz comete pecado. – Tiago 4.17

Demorei pra sentar. O 371 estava lotado, e fiquei observando se o lugar que havia ficado vago, dava espaço. É que ao lado estava sentada uma jovem senhora, envelhecida, e que ocupava pouco mais de um assento. – Tenho oito filhos, e quatro netos, disse. – Hoje os filhos não têm nenhuma responsabilidade, casam e voltam pra casa, e ainda trazem as crias. O meu filho mais novo foi o juiz que me deu, o pai era um viciado, e a criança ia pra ser adotada; a minha patroa me ajudou, ela é advogada e promotora; o menino está agora com cinco anos, mas não é fácil, só quero trabalhar mais pra poder cuidar deles.

Ela não estava pedindo a minha opinião. Compartilhava a vida sofrida e o recebimento do filho adotado. Falou do marido que morava em outra cidade; lamentou, carinhosamente, o descaminho que ele sofrera por conta do álcool e que agora, depois de um acidente, se encontrava meio ruim da cabeça, disse ela. É claro que, se tivesse me perguntado, se deveria, sendo empregada doméstica, mãe e avó, adotar mais um, teria dito que não. Um redondo, sonoro e superlativo não. Mostraria a ela que num dado momento é necessário impor limites, não se pode dizer sim a tudo. Falaria como um herdeiro conceitual do mundo grego, o que de fato era o amor, mostraria as várias possibilidades interpretativas sobre o afeto, as nossas neuras em fazer tudo, até o que não podemos, só por conta de aceitação; dos sentimentos de culpa que nos impele, ou impede, de fazer isso ou aquilo, e certamente, aconselharia que avaliasse a vida emocional, e por fim, em hipótese alguma, recomendaria que alguém naquelas condições, jamais, deveria assumir outra criança.

Só que ela não perguntou. Acho que o menino de cinco anos agradeceu, sem saber, a pergunta que ela nunca fez, pois afinal agora tinha uma mãe-avó, doméstica, lutadora, com a casa cheia de outros filhos e netos, a enfrentar diariamente um ônibus lotado, depois de ter deixado almoço aos que ficaram, e a roupa a espera do tanque do período noturno. Uma faxineira e cozinheira que não sabe me explicar o que é o amor, muito menos escrever sobre ele; só sabe abrigar quem dela precisa, e ainda tem tempo de perdoar quem a abandonou; um coração largo, daqueles que parece ter sempre lugar pra mais um.

A gente é assim mesmo: sabe o que é amor, admira quem o abraça, mas via de regra nunca tem  coragem de fazer algo semelhante, ou pelo menos próximo. Saltei do ônibus, sem perguntar a ela pelo nome.

Natanael Gabriel da Silva

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