Aquele, pois, que sabe fazer o bem e o não faz comete
pecado. – Tiago 4.17
Demorei pra sentar. O 371 estava lotado, e fiquei observando se o lugar que havia ficado vago, dava espaço. É que ao lado estava sentada uma jovem senhora, envelhecida, e que
ocupava pouco mais de um assento. – Tenho oito filhos, e quatro netos, disse. –
Hoje os filhos não têm nenhuma responsabilidade, casam e voltam pra casa, e
ainda trazem as crias. O meu filho mais novo foi o juiz que me deu, o pai era
um viciado, e a criança ia pra ser adotada; a minha patroa me ajudou, ela é
advogada e promotora; o menino está agora com cinco anos, mas não é fácil, só
quero trabalhar mais pra poder cuidar deles.
Ela não estava pedindo
a minha opinião. Compartilhava a vida sofrida e o recebimento do filho adotado.
Falou do marido que morava em outra cidade; lamentou, carinhosamente, o
descaminho que ele sofrera por conta do álcool e que agora, depois de um
acidente, se encontrava meio ruim da cabeça, disse ela. É claro que, se tivesse me perguntado, se deveria, sendo empregada doméstica, mãe e avó, adotar
mais um, teria dito que não. Um redondo, sonoro e superlativo não. Mostraria a
ela que num dado momento é necessário impor limites, não se pode dizer sim a
tudo. Falaria como um herdeiro conceitual do mundo grego, o que de fato era o
amor, mostraria as várias possibilidades interpretativas sobre o afeto, as
nossas neuras em fazer tudo, até o que não podemos, só por conta de aceitação; dos
sentimentos de culpa que nos impele, ou impede, de fazer isso ou aquilo, e
certamente, aconselharia que avaliasse a vida emocional, e por fim, em hipótese
alguma, recomendaria que alguém naquelas condições, jamais, deveria assumir outra
criança.
Só que ela não
perguntou. Acho que o menino de cinco anos agradeceu, sem saber, a pergunta que
ela nunca fez, pois afinal agora tinha uma mãe-avó, doméstica, lutadora, com
a casa cheia de outros filhos e netos, a enfrentar diariamente um ônibus lotado,
depois de ter deixado almoço aos que ficaram, e a roupa a espera do tanque do
período noturno. Uma faxineira e cozinheira que não sabe me explicar o que é o amor,
muito menos escrever sobre ele; só sabe abrigar quem dela precisa, e ainda tem
tempo de perdoar quem a abandonou; um coração largo, daqueles que parece ter
sempre lugar pra mais um.
A gente é assim
mesmo: sabe o que é amor, admira quem o abraça, mas via de regra nunca tem coragem de fazer algo semelhante, ou pelo
menos próximo. Saltei do ônibus, sem perguntar a ela pelo nome.
Natanael Gabriel da Silva
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