Hoje, por razões muito pessoais, desejei pensar sobre a liberdade. Já estava escrevendo outro texto, quando me lembrei (nos raros momentos quando isso acontece, pois esqueço de quase tudo, até do que escrevo), me lembrei, dizia, do que segue. Ainda prefiro conviver com as corujas.
O texto foi escrito em setembro de 2010. Fiz algumas correções.
TRISTEZA DE PARDAL
“Se, pois, o Filho vos
libertar, verdadeiramente sereis livres” – João 8.36
Airton continua sendo o meu
vizinho, do tempo quando morei no 128. Vez por outra o vejo, aos domingos,
sentado no portão conversando com alguém: “E aí vizinho, tudo jóia?” Ele
responde: “Tudo jóia, vizinho”.
É um antigo amigo. Um dia desses
precisei dele: - “Vizinho, preciso de três ou quatro pardais para uma palestra.
– “Claro vizinho”, deixa comigo”. No sábado, fui procurá-lo: – “Vizinho, disse
ele, só consegui apanhar três fêmeas, mas estão com filhote e ficaram tristes.
Precisei soltá-las, iriam morrer. Mas pode deixar que até amanhã dou um jeito”.
Deu mesmo. Arrumou um casal de Manon, criado em cativeiro. (Eu desejava falar às crianças sobre a liberdade e no final da celebração, todos iríamos, e fomos, pra rua soltar os passarinhos). Os dois, ao serem libertados, não sabiam o que fazer com a liberdade. Uma pessoa idosa me
perguntou: - “Pastor, soltou os passarinhos?” – “Sim”, respondi. “Pois a coruja
vai pegá-los durante a noite”, sentenciou. Era verdade. Havia-me esquecido das
corujas. As corujas, para além das gaiolas, são uma ameaça para quem deseja
voar.
Só que a gaiola também mata.
Não de uma vez, mas aos poucos. Primeiro tira a alegria, depois mata. Alguém,
no primeiro dia de gaiola, briga contra a injustiça. Dois ou três dias de
prisão são suficientes para mostrar que a luta será inútil. Com o tempo
acostuma-se com o alpiste. Pula de um pauzinho noutro para afastar o tédio, depois
se esquece do tanto de tempo que está preso: sintoma de morte não sabida. Todas
as gaiolas trazem uma mórbida segurança. Finalmente as portas poderão até ficar abertas. Não fará diferença para quem esqueceu o que é a liberdade. Ensinar a
ser livre e a voar pode ser poético, mas não é fácil, quando a prisão vira o
modo de ser e viver.
Acho que Jesus foi meio por
esse caminho: “Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres.”
É tanta liberdade, que até hoje discutimos o seu tamanho. Uns acham que ela termina
aqui, ponto. Outros, que termina lá. Outros, que está na linha do horizonte. De
liberdade em liberdade, ou de graça sobre graça como diria Paulo aos Romanos, o
ser humano não é capaz de acreditar que é possível aprender a ser livre,
assumir as responsabilidades da própria vida, e abraçar a promessa anunciada
por Jesus, em oposição à segurança daquela religiosidade que escravizava.
Aparentemente dava certa segurança, mas era desumana e infiel. No texto, quem sai livre, vive, quem fica preso, mata e morre, morre enquanto mata, mata enquanto morre.
Da minha parte, prefiro
enfrentar as corujas.
Natanael Gabriel da Silva
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