“Seis dias depois, tomou Jesus consigo a Pedro, e a Tiago, e
a João, seu irmão, e os conduziu em particular a um alto monte.” – Mateus 17.1
Uma é a fala do êxtase, outra da legitimidade, e a terceira,
do pastoreio.
O êxtase, ah, o êxtase. O êxtase é bom, agradável aos olhos,
enobrece a alma e dá ao coração a segurança de ser importante, tão importante,
a ponto do sagrado se manifestar quase desnudo e por inteiro. Um sagrado com direito a uma resplandecência que só é cabível em aproximação com a
inexplicável luz. Tudo branco, iluminado por força de um sagrado que se
mostrava e se apresentava, não para ser compreendido, mas para se dar apenas
como sagrado, para além da descrição e compreensão, para além do sentido, e
tinha que ser num monte o lugar da habitação do divino.
Só que o êxtase também tem limite. O sagrado, que atrai e
cativa, também é o sagrado que amedronta. Ele está na luz e também na nuvem. E
a inesperada voz vinda de dentro do mistério apontou para outro mistério: “Este
é o meu Filho amado, em quem me comprazo; escutai-o”. Nem a legitimação supera
o medo que se tem do sagrado.
Escutar, mas escutar o quê? Escutar a caminhada e o
pastoreio: “Levantai-vos e não tenhais medo”. É estavam mesmo de cabeça baixa,
porque o êxtase no primeiro momento paralisa pela beleza. Viveriam ali pra sempre, só contemplando.
Só que não dá pra separar, no sagrado, o que é fascinoso e o que é tremendo.
Daí o segundo momento é o avesso do primeiro, tem a mesma intensidade, mas é ao
contrário, pois afasta, diminui, amedronta, é grande demais, incompreensível
demais, oculto demais, misterioso demais pra se estar diante dele; só olhando para o
chão a partir do qual é possível ao ser humano medir-se e esconder-se do que
não deseja ver.
Só que, entre o fascinoso e o tremendo, emerge o pastoreio,
a voz de uma pessoa, companhia, presença e que sobreviveu ao sagrado, à luz, à
voz, aos personagens que vão e retornam na construção do imaginário, eternizados num contínuo presente.Quem sobreviveu? Sobreviveu o pastor, é claro. Ele, então, se propõe
acompanhar a caminhada da vida. Diferente do êxtase ou do sobrenatural
ameaçador, o pastor é pessoa que faz companhia e desce do monte para, juntos, caminharmos a jornada da vida.
Acho que é isto: nem o êxtase, nem o insondável sagrado
ameaçador, mas o pastoreio simples e diário de quem faz companhia e fala
convidando, de maneira branda, sem ocultamento, com brilho, mas sem luz, apenas
uma voz próxima e cheia de sentido: “Levantai-vos e não tenhais medo”. Daí dá até pra
levantar os olhos e descer do monte.
Natanael Gabriel da Silva
Nenhum comentário:
Postar um comentário