terça-feira, 3 de setembro de 2013

A VOZ DO PASTOREIO




“Seis dias depois, tomou Jesus consigo a Pedro, e a Tiago, e a João, seu irmão, e os conduziu em particular a um alto monte.” – Mateus 17.1

Uma é a fala do êxtase, outra da legitimidade, e a terceira, do pastoreio.

O êxtase, ah, o êxtase. O êxtase é bom, agradável aos olhos, enobrece a alma e dá ao coração a segurança de ser importante, tão importante, a ponto do sagrado se manifestar quase desnudo e por inteiro. Um sagrado com direito a uma resplandecência que só é cabível em aproximação com a inexplicável luz. Tudo branco, iluminado por força de um sagrado que se mostrava e se apresentava, não para ser compreendido, mas para se dar apenas como sagrado, para além da descrição e compreensão, para além do sentido, e tinha que ser num monte o lugar da habitação do divino.

Só que o êxtase também tem limite. O sagrado, que atrai e cativa, também é o sagrado que amedronta. Ele está na luz e também na nuvem. E a inesperada voz vinda de dentro do mistério apontou para outro mistério: “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo; escutai-o”. Nem a legitimação supera o medo que se tem do sagrado.

Escutar, mas escutar o quê? Escutar a caminhada e o pastoreio: “Levantai-vos e não tenhais medo”. É estavam mesmo de cabeça baixa, porque o êxtase no primeiro momento paralisa pela beleza. Viveriam ali pra sempre, só contemplando. Só que não dá pra separar, no sagrado, o que é fascinoso e o que é tremendo. Daí o segundo momento é o avesso do primeiro, tem a mesma intensidade, mas é ao contrário, pois afasta, diminui, amedronta, é grande demais, incompreensível demais, oculto demais, misterioso demais pra se estar diante dele; só olhando para o chão a partir do qual é possível ao ser humano medir-se e esconder-se do que não deseja ver.

Só que, entre o fascinoso e o tremendo, emerge o pastoreio, a voz de uma pessoa, companhia, presença e que sobreviveu ao sagrado, à luz, à voz, aos personagens que vão e retornam na construção do imaginário, eternizados num contínuo presente.Quem sobreviveu? Sobreviveu o pastor, é claro. Ele, então, se propõe acompanhar a caminhada da vida. Diferente do êxtase ou do sobrenatural ameaçador, o pastor é pessoa que faz companhia e desce do monte para, juntos, caminharmos a jornada da vida.

Acho que é isto: nem o êxtase, nem o insondável sagrado ameaçador, mas o pastoreio simples e diário de quem faz companhia e fala convidando, de maneira branda, sem ocultamento, com brilho, mas sem luz, apenas uma voz próxima e cheia de sentido: “Levantai-vos e não tenhais medo”. Daí dá até pra levantar os olhos e descer do monte.

Natanael Gabriel da Silva


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