segunda-feira, 12 de agosto de 2013

ESTILO DE VIDA



“E disse-lhes: Esta casta não pode sair com coisa alguma, a não ser com oração e jejum” – Marcos 9.29

A tradução “casta” já é pejorativa. “Espécie” cai melhor, e que não tem nada a ver com Darwin, por favor. Também “jejum” não aparece nos melhores manuscritos, pois os mais antigos que a contém, um está num estado de conservação que não permite uma afirmação segura e outro é resultado de correções. É possível que “jejum” tenha sido acrescentado em razão de ser prática comum na igreja primitiva.

Fiquemos então só com a oração.

Num dado momento o êxtase vivido no monte tem que descer e se deparar com a vida, como aponta  Clademilson Paulino, e a vida se apresenta em condição de miséria e intermináveis debates entre a teologia e a tragédia. A teologia, já a conhecemos. Nela reside o sonho da compreensão perfeita para se tomar posse das virtudes por meio de atalhos e conceitos. Isto é vero: não é possível avaliar o quanto de cristãos aprendem apenas, e tão somente, os códigos herméticos da linguagem da religiosidade e, na medida em que o fazem, se tornam diametralmente opostos e distantes, tanto do monte (Marcos 9.2-13), como da vida e suas contradições (Marcos 9.14-29). Com outras palavras, não são nem místicos, nem aptos para o exercício da compreensão do ser humano em sua condição marginal. Eis a Igreja que gosta de cantar.

O demonismo que aparece no texto é o menos importante (Marcos 9.14-29). Demônios vão e vêm como se fosse um caminhar pela própria casa. Só que o debate teológico, que encerrou com o dito de Jesus, já estava posto e havia um desencontro sobre poder ou não poder; por parte dos apóstolos eu posso vocês não podem e por parte dos escribas nós não podemos, mas vocês também não. Um verdadeiro circo coberto de palavras, manipulação e torcida. Aos apóstolos seria útil mostrar que eles podiam, pois afinal estavam também em busca de identidade. Os escribas queriam que desse tudo errado, que nada acontecesse a não ser o fato do infeliz continuar possesso, mudo e surdo, porque ter razão é melhor que ver alguém libertado e humanizado e não importa a desgraça dele se for esse o preço a ser pago para mostrar que a minha crença é que é a correta, e que tudo mais vá pro inferno, inclusive e especialmente os que me dão razão por meio do sofrimento e morte.

Então aparece Jesus, dialoga de maneira rápida, começando com um sonoro “geração incrédula”. O pai, em lágrimas pedia sem acreditar, porque o amor ao filho era mais expressivo que a fé e foi justamente por causa disso que foi atendido, porque falta de fé até dá pra suportar, mas falta de amor, evidentemente não. Feita a humanização do antes endemoniado, entrou a resposta sobre o feito, cuja explicação não era uma questão de estratégia, domínio ou manipulação do sagrado, mas oração, só oração. Não da oração mágica, é claro, movida por um sentimento subjetivo, ou demonstração de poder e controle sobre o sagrado. Deixe isso para os empresários da fé. Era a oração que Jesus trouxera do monte (9.2-13), e antes disso, do suportar a morte abrindo mão da vida (8.34-38), antes disso ainda, a confiança em sua pessoa (8.27-33), e assim por diante, um adiante para trás no texto e na vida de Jesus, porque naquele momento a oração era o ponto agudo de toda uma existência. Não tinha nascido ali, naquela hora e instante. Vinha de antes, um longe anterior, regado à vida, misericórdia, perdão, inclusão, fraternidade e solidariedade. Quer mais?

Daí me aparecem aqueles que querem saber do segredo. Como é que o senhor faz? Qual fórmula secreta? Qual método? Seriam as palavras, beleza e sequencia? Talvez a maneira de se fazer? O que estaria faltando se fizemos tudo certinho? Diga pra nós: qual é o pulo do gato? E queriam fazer o milagre sem o profundo sentimento pela miséria humana, um não entender nem a razão da estada no monte, muito menos as lágrimas e o amor do pai.

Na ausência de tudo, Jesus disse que faltava apenas a oração, que estava naturalmente emendada com um estilo de vida, marcado pelo compadecimento, misericórdia e cumplicidade no sofrimento humano. Que não era um modo de falar, mas de se viver. Que não adiantava querer evocar os céus de um momento para o outro como se fosse um passe de mágica. Até porque a oração nunca foi, ou nunca deveria ter sido, produto de consumo, hoje tão explorada, comercializada e, principalmente, cara, caríssima, enriquecedora de sacerdotes e pastores na exploração de miseráveis e alienados.

Simples: uma vida coalhada de tudo. E a oração de Jesus saiu como uma conversa em forma de poesia que restaurou a vida e a dignidade humana de um abandonado. Não foi apenas banir o mal, limpar e restaurar, mas uma declaração que vida se conquista com vida, e a oração é o caminho entre uma vida e outra, de quem a dá para quem a recebe.


Natanael Gabriel da Silva


Um comentário:

  1. Como faz bem viver livre do fundamentalismo e vivenciar o evangelho na sua simplicidade e profundidade. Um abraço!

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