“E Jesus lhe disse: Judas, com um beijo trais o Filho do
Homem?” – Lucas 22.48
Foi numa entrevista. Ele relatava a própria história e
quando mencionou a situação de sua chegada ao Brasil, por ocasião do Golpe
Militar, disse que um de seus maiores amigos o havia delatado e, por conta
disso, entrara para o rol dos procurados. Disse isso e sentiu fundo porque a memória
do amigo não envelhecera nos cinquenta anos seguintes. Era como se tivesse
acontecido ontem.
Se chorou, tinha que chorar mesmo. Depois, como sempre
acontece, vem a culpa pela ingenuidade, da qual os que envelhecem crianças, nunca
se livram. Uma questão de impotência, impossibilidade e quando viu, já foi.
Fica a pergunta de quando teria sido o momento provocado capaz de suscitar a
deslealdade, mas não é possível encontrá-lo, porque a questão não é essa e a
resposta, se houvesse, não ajudaria, não aliviaria a dor e não resolveria
qualquer culpa ou frustração pela perda do que não poderia ter sido perdido,
mas foi. Não dá pra explicar a dor, o sentimento de abandono e a decepção em experimentar
o que a crueldade humana é capaz de fazer.
A pergunta de Jesus a Judas não foi feita para ser
respondida. É uma declaração de espanto, uma perda, um afastamento, uma ruptura
na história, a despedida de dois amigos que se olham pelas costas e se perdem
no horizonte, como diz Goethe. É um despedir-se sem fim, um filme sem a última
parte, uma peça de teatro sem encerramento, uma árvore bonita que morre antes
de dar fruto, uma sequela, o fosso surgido entre duas fronteiras, a descoberta
de repende de dois idiomas e duas formas de se interpretar a vida e que nunca
se cruzaram, um nada que sobra. É a morte do passado, inutilidade do vivenciado,
a perda do afeto que parecia ter havido, mas era apenas engano e manipulação. E
é possível que a expressão “Filho do Homem”, nada mais seja, que o humano mais
humano de Jesus sob o impacto da falta de sentido para uma pergunta sem
solução.
Sem solução, e sem conclusão, apenas uma pergunta que não
tem resposta do onde começa e ou termina a verdadeira amizade, o companheirismo
e a autêntica solidariedade. E tinha que ter um beijo asqueroso para que o ato indesejado se tornasse ainda mais cruel e incompreensível.
Natanael Gabriel da Silva
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