quinta-feira, 8 de agosto de 2013

...E RUBEM ALVES CHOROU (?)



“E Jesus lhe disse: Judas, com um beijo trais o Filho do Homem?” – Lucas 22.48

Foi numa entrevista. Ele relatava a própria história e quando mencionou a situação de sua chegada ao Brasil, por ocasião do Golpe Militar, disse que um de seus maiores amigos o havia delatado e, por conta disso, entrara para o rol dos procurados. Disse isso e sentiu fundo porque a memória do amigo não envelhecera nos cinquenta anos seguintes. Era como se tivesse acontecido ontem.

Se chorou, tinha que chorar mesmo. Depois, como sempre acontece, vem a culpa pela ingenuidade, da qual os que envelhecem crianças, nunca se livram. Uma questão de impotência, impossibilidade e quando viu, já foi. Fica a pergunta de quando teria sido o momento provocado capaz de suscitar a deslealdade, mas não é possível encontrá-lo, porque a questão não é essa e a resposta, se houvesse, não ajudaria, não aliviaria a dor e não resolveria qualquer culpa ou frustração pela perda do que não poderia ter sido perdido, mas foi. Não dá pra explicar a dor, o sentimento de abandono e a decepção em experimentar o que a crueldade humana é capaz de fazer.

A pergunta de Jesus a Judas não foi feita para ser respondida. É uma declaração de espanto, uma perda, um afastamento, uma ruptura na história, a despedida de dois amigos que se olham pelas costas e se perdem no horizonte, como diz Goethe. É um despedir-se sem fim, um filme sem a última parte, uma peça de teatro sem encerramento, uma árvore bonita que morre antes de dar fruto, uma sequela, o fosso surgido entre duas fronteiras, a descoberta de repende de dois idiomas e duas formas de se interpretar a vida e que nunca se cruzaram, um nada que sobra. É a morte do passado, inutilidade do vivenciado, a perda do afeto que parecia ter havido, mas era apenas engano e manipulação. E é possível que a expressão “Filho do Homem”, nada mais seja, que o humano mais humano de Jesus sob o impacto da falta de sentido para uma pergunta sem solução.

Sem solução, e sem conclusão, apenas uma pergunta que não tem resposta do onde começa e ou termina a verdadeira amizade, o companheirismo e a autêntica solidariedade. E tinha que ter um beijo asqueroso para que o ato indesejado se tornasse ainda mais cruel e incompreensível.

Natanael Gabriel da Silva

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