segunda-feira, 5 de agosto de 2013

O ORÁCULO E O HUMANO


E disse: Em verdade vos digo que nenhum profeta é recebido na sua pátria.- Lucas 4.24

A fé depende do mistério, do que está oculto e precisa ser desvelado e compreendido. A fé é uma espécie de decodificação e único meio de aproximação do que não se mostra como passivo de entendimento e conceituação. O texto Aos Hebreus coloca fé nessa dimensão. A cura do cego de nascença narrado por João, também, e o mistério é colocado sobre a pessoa de Jesus: o fato de ser ele um ilustre sem história. Talvez seja esta uma das principais questões colocadas sobre o profetismo de Israel, isto é, os profetas são sempre dados como sem nascimento, passado ou futuro, só aparecem os oráculos de  datação complexa, ou perdida para sempre. Até o tempo profético é misterioso, e ficam os abismos do quem, quando, a quem e de onde, desafiando o sentido. O mistério sobre o profeta torna o profeta, profeta, porque é a partir do ocultamento que se cria o mito, pois só o mito é capaz de ler o que não pode ser lido e fica a mistura entre o texto do oráculo e a vida do profeta de tal modo que é, quase impossível, determinar onde termina um e começa ou outro, e onde começa o outro e termina o um.

Só que a fé, ou o controle do sentido do mistério, também é poder. Quem controla, pela fé, o que está em oculto, tem também o poder de estabelecer o sentido da vida e da religião. É o fundamentalista que se esconde por detrás da interpretação correta das línguas originais no protestantismo histórico (batistas, presbiterianos e metodistas, por exemplo), ou é o neopentecostal que se apropria e domina o sobrenatural dos milagres, por meio de curas e exorcismos e, por meio destes, a plenitude do poder e controle sobre a fé e fiéis.

Se fé é poder de controle e domínio e se quem possui o domínio hermenêutico é aquele que também aterroriza, nada mais impróprio que o ocultamento e o mistério se apresentarem ao banido e excluído, como no caso da viúva de Elias e do leproso Naamã de Eliseu (Lucas 5.25-3). Que Elias e Eliseu tinham sido profetas, não restava qualquer dúvida, com todos os adereços de surgimento, arrebatamento e sobrenaturalismos, sem contar a vocação, independência e vida à margem da sociedade, tanto por exclusão quanto por opção. Agora, o problema é que ambos haviam arrancado do ocultamento o humano banido, no caso da viúva, e o humano que ameaçava e oprimia; pois atrás de um e outro está a miséria e o drama da vida. Daí a pergunta: o mistério é só um algo que se encontra escondido, ou o mistério é recolocar vida a quem está à margem dela, sobrevivendo como por esforço na profunda miséria da fome (viúva de Sarepta de Sidom) ou convivendo, sem viver com, sob a dor de não saber o que fazer de si (Naamã)? Afinal o que é o mistério? O que é a fé que o desvela e o compreende? O mistério está no profeta, sem começo ou sem fim, ou está no resgate da vida que se apresenta como excluída pelas religiões que dominam a linguagem da fé como instrumento de poder?

Foi essa a dúvida levantada por Jesus na sinagoga em Nazaré. Sabe o que aconteceu? Ele foi expulso da cidade. Quem liberta o oprimido do opressor deve ser banido, e aquele que transforma o mistério em gente e a fé como atitude na direção da profunda humanidade, não tem espaço numa religiosidade fundamentalista. A palavra-oráculo, na profecia de Jesus, assumia a dimensão vida-libertação e o mistério se consubstanciava na pessoalidade do excluído inacessível. Finalmente a fé, que é a ponte entre o ser humano e o mistério, emergia como quebra de qualquer preconceito.

Não é todo mundo, ou qualquer expressão religiosa, que suporta isso.

Natanael Gabriel da Silva

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