segunda-feira, 13 de agosto de 2012

VAMOS FAZER FILHOS!

Não adianta os jovens e adolescentes ficarem entusiasmados. A conversa não é com vocês, sinto muito. Nem com os solteiros e separados. Daí um morador do meu condomínio disse: tô perdido – minha mulher inventou de ficar grávida! Claro que é uma conversa machista, de quem pensa que mulher se engravida sozinha. Apesar do mal humor – dele é claro, pois eu estava numa manhã de bem com a vida – dei os parabéns. Com um sorriso amarelo, ele disse que o outro filho já estava com onze anos. De fato, recomeçar tudo de novo, com direito a cólicas, fraldas, papinhas e perder a mulher por um tempo ocupada exclusivamente com a cria, desestimula qualquer um que vive no tempo da ditadura do conforto. A gente só aceita a quebra de ritmo, se for pra menos. Quebra de ritmo pra mais, não é quebra de ritmo, é o vislumbre da agonia.

Deixe o meu vizinho com o machismo dele, que eu vou aqui defendendo o meu cantinho, num estímulo contrário ao discurso de todo mundo: vamos fazer filhos, minha gente! Se você pensa que estou sendo bonzinho, pode tirar o cavalo da chuva. Estou sendo bastante egoísta, porque estou pensando que, sem filhos, não se comemora o dia dos pais (nem das mães). Antes o dia dos pais (e o das mães) era uma festa só. Teve uma vez em casa que resolvemos dar um caminhão de presentes para a minha mãe. Deixe-me explicar que caminhão aqui é apenas uma metáfora, um dizer de excesso, um montão. Pois é, todos pobres, pouca alimentação e pouquíssimo, ou como diria o Chaves, poucossissíssimo dinheiro. Enchemos a mesa com tudo aquilo que mais tarde abasteceria o mercado de um e noventa e nove. Naquele tempo, tais lojas não existiam. Colocamos tudo em cima da mesa da cozinha para que ela se assustasse com o nosso carinho pela manhã. Não sei se ela chegou a se levantar de madrugada e antecipadamente soube da surpresa. Se foi assim, fez muito bem o papel de quem ganha alguma coisa e não desanima quem deu – ficou pasma! Ponto pra nós.  Depois foi a vez da macarronada,  tubaína e guaraná Santana. Uma festa só: sete filhos em volta de uma mesa comemorando o dia de quem nos dera a vida.

Que pena! A mesma vida, impulsionada por toda a tragédia que tem rondado o mundo e seu crescimento demográfico, está ameaçada de extinção, ou de diminuição. Ainda tem o avanço da medicina que tem sido extremamente importante para cuidar dos que têm dó de morrer, acrescentou mais dias aos que já têm vida. Estes, não querem ceder espaço e tempo para os que sequer podem expressar os seus desejos. Não se deve dividir nada com um outro, especialmente se a gente tem a opção de não permitir que nasça. Vivíamos numa miséria em casa, que dava dó. Sou o quinto filho, e nos tempos atuais não teria a menor chance. Passei fome, mas gostei de ter nascido, me fez muito bem.

Você vai achar que estou exagerando. Sou pastor, tenho autorização para ser exagerado; faz parte da minha natureza. Talvez você seja um daqueles que acredita que a vida tem que rodar com menos sofrimento, com menos fome no mundo, com mais emprego já que o crescimento demográfico é uma tragédia para a economia. Tá certo, dou a mão à palmatória. Só que o dia dos pais, no plural e na multiplicação, está ficando mais curto, no singular e na subtração. Está ficando triste. A igreja está ficando triste. Sumiram as crianças barulhentas que traziam carrinhos à pilha, com direito à sirene de polícia e de ambulância. Onde estão as crianças andando pelos corredores? Aquela sala cheia de cabecinhas, trancinhas, chiquinhas e cabelos cortados no modo americano? Sala cheirando a suor pela correria que marcava o início da escola dominical. Berçários lotados que pareciam produção da Ford: era um atrás do outro. Salas decoradas, brinquedos pelo chão, chupetas encontradas pelo caminho, e muito choro, aquele barulho que ainda cheira à vida, na liberação da angústia do existir, ecoando e penetrando como se fosse toque prolongado e agudo de uma corneta que fazia gemer as cartilagens dos adultos. Não tinha quem não se incomodasse. Hoje já não incomodam mais. Conseguimos impor o cheiro do nosso mofo ao perfume das fraldas, o nosso silêncio sepulcral aos gritos rápidos de alegria de quem corre sabendo que vai sendo perseguida pelo pai que, num dado momento, a fará voar para três, talvez quatro vezes mais a sua própria altura. É o vôo da liberdade, e da segurança. É impossível não mostrar a banguela e o dente solitário.

A vida está ficando chata, porque ser adulto é ser chato. A gente não voa, não caminha pelos corredores, nem sai correndo para o início das aulas. Não tem cheiro de suor - aaaggghhh, que coisa nojenta! Só que é a gente que decide que quem não nasceu, não vai nascer. E ficamos mais tempo do que deveríamos, ocupando um lugar que já não é mais nosso. Mas quem em sã consciência é capaz de concordar com isso? Viemos no bico da cegonha, mas não queremos chegar ao bico do corvo. Nem tudo o que tem bico, penas e voa, faz parte dos nossos sonhos. Esticar a vida e o conforto também é lutar pela sobrevivência. Ficamos espertos nisso.

Minha campanha é legítima: vamos fazer filhos! Distribuir vida, apesar de não ser nossa. Produzir esperança e recriar um paraíso, senão o bíblico, pelo menos um tipo para o qual não falte jardineiro. Quero que no futuro o dia dos pais não seja extinto por falta de candidato.

Nenhum comentário:

Postar um comentário