terça-feira, 21 de julho de 2015

PAZ SEJA CONVOSCO

“Quando chegou a tarde daquele dia, o primeiro dia da semana, estando os discípulos reunidos com as portas trancadas por medo dos judeus, Jesus chegou, colocou-se no meio deles e disse-lhes: Paz seja convosco” – João 20.19

Antes de qualquer coisa, disse Jesus: Paz seja convosco. Antes de dizer o ide e fazei discípulos, do sair pelo mundo e divulgar a notícia da chegada do novo tempo, antes da criação de qualquer enunciado que pudesse esclarecer e determinar o que seria o Evangelho, ou quem deveria ser o Espírito Santo, ou que seria a igreja, ou de qualquer outra proposta de inclusão e agregação de quem quer que fosse, por meio da ainda desconhecida predestinação, ou da exclusividade da eleição judaica; antes de qualquer coisa e antes de tudo, uma primeira palavra ao encontrar-se com a comunidade logo após a ressurreição, e o dito primeiro após o reencontro tem que ser tido como prioritário, é ou não é? Um dito em forma de benção, talvez uma instrução ou quem sabe o traçado do rumo, como busca, preocupação e alvo: Paz seja convosco.

Paz complicada, contraditória e até sem sentido, porque tinha havido morte, isolamento e o medo estava instaurado, todos fechados, reclusos, portas trancadas, conversando sobre o que não se sabe; judeus ameaçadores que tinham levado o Cristo à crucificação, o que não seriam capazes de fazer com os remanescentes? Escondidos e no esconderijo, sem abrir as trancas e a paz, que também tinha sofrido, entrou, atravessou por onde não havia porta, e foi entrando. Porque a paz é assim mesmo atravessa e busca os escondidos e os encontra onde estão, não dá para ocultar-se dela, simplesmente se faz presente, nem sequer seria possível imaginar que estaria do lado de fora, mas estava. Então a paz, que era e é pessoa, entrou, mostrou as mãos que inexplicavelmente não tinham sido curadas pela ressurreição,  o que é um absurdo, porque o corpo ressurreto, até onde eu sei, não poderia ter ferimento, mas isso não tem importância, ou tem, porque as mãos precisavam contradizer a morte com a paz, sendo dada a permanência apenas da segunda; e confirmaram as mãos a paz havida entre a morte e o medo. Entre os dois, não sobraria nenhum.

E pra não haver dúvidas repetiu de novo, como primeira e segunda palavra, o que havia de mais importante, o que mais se poderia espera, ou do que mais se necessitaria: Paz seja convosco (20.21). De novo. No meu imaginário, com a mesma musicalidade e entonação. Só então, depois da repetição, disse do enviar, mas foi depois do pastoreio da paz, não uma, mas duas vezes, seguidas e iguais, um déjà vu;  primeiro a presença atravessando o oculto, as mãos abertas mostrando as feridas não curadas, o anúncio da paz repetida e por fim o sopro do Espírito, que pelo que me consta, fica meio diferente, e nem poderia ter acontecido, porque doutrinariamente só seria no Pentecostes. Só que João é João, o evangelista da recriação que recupera os atos do que torna o humano, humano, e Gênesis que está no começo do Evangelho, também está no fim como um novo recomeço. Em Gênesis, o sopro é da vida. Em João, o sopro é do Espírito, que também é vida, mas na linguagem da paz, como se a paz tivesse sido semeada, dita, desejada antes, entre o sofrimento da morte havida e do medo que os impedia de sair para o mundo; então dá-lhe paz, pronunciada e soprada como fonte. Deixe os milagres do Pentecostes para Lucas, pois milagre em João é o sopro daquele que é o agente da paz, e a vida emerge num novo momento de recriação e reconstrução na semeadura do perdão (20.23).

Paz seja convosco, em primeiro e segundo lugar, apenas paz. Paz que invade o esconderijo, paz-pessoa, soprada no milagre da vida e da presença do divino que aponta para o futuro e para a missão, semear a paz, viver a paz e anunciar a paz. Só isso.


Natanael Gabriel da Silva

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