“Vós sois o corpo de Cristo e, individualmente, membros
desse corpo.” – I Aos Coríntios 12.27
Refletir sobre a igreja como Corpo de Cristo não é novidade.
Prega-se e ensina-se sobre isso, sempre na perspectiva de se colocar a igreja
no céu. Só que pode ser outra coisa, o Cristo na terra, pois nada mais humano
que o corpo, perdidamente humano e assumido como metáfora para falar de
sincronismo, unidade, completude, dependência e amor. Coisas divinas e humanas.
Corpo que sofre com a unidade perdida, dividido e sem rumo, não porque tenha
que ser imposto autoritariamente uma direção, mas porque a vocação do corpo,
que se dá a partir da terra e do mundo, é o amor. Deste modo fez-se a metáfora,
corpo e chão, humanidade, sofrimento e vínculo do diferente que de tão
diferente só o amor produz o encaixe. E foi assim que o escritor começou pelo
corpo e terminou com o amor, porque o amor é o fim, o ponto final, o onde
termina a caminhada, sustentação única, não tem correspondente, nem genérico
feito fórmula a suprir comparativamente ou por aproximação o que lhe compete; o
amor é único.
O amor sofre, por causa do outro. O amor acredita, no outro.
O amor espera e suporta, tudo o que vem do outro. E o humano é o outro para
qual o amor se faz construção e vida. Supera tudo. De tão humano, está além da
profecia e da espiritualidade que interpreta o mistério. Está além da fé e da
esperança. É a dimensão humana que se prolonga à eternidade. Veio de Deus, eu
sei, mas se fez humana, para dar sentido e sustentar a vida.
E foi assim que o escritor saiu do céu e foi pra terra,
mencionou a linguagem dos anjos, que revelam os mistérios da profundidade e do inalcançável;
saiu de lá e caiu no corpo, no encontro com o outro e falou do amor e foi logo
traçando o perfil da paciência, da benignidade em forma de coisa, e esta coisa
é o amor. Daí seguiu Paulo a discursar sobre o corpo e as categorias do humano
decaído, doente e que precisa ser curado pelo amor, que é vida e mistério. E
diz que o amor não pode ser invejoso, pois a inveja é doença da alma e do
corpo, cujo sentido e resultado é o tornar-se singular e separado, nasce assim
a individualidade oculta em virtudes tidas como havidas, mas que se perdem no
esgotamento do que é pessoal. Vira nada. Deixa de ser corpo, pois o
amor supera os próprios interesses, está sempre diante do outro; só faz sentido
na presença e no pertencimento. Só o amor vincula e cria a unidade que não se
rompe pelo desejo de espiritualidade individual e única. Então não há razão
para a soberba, porque o humano-corpo, ou igreja-corpo, não sai do chão; estar
soberbo e dar-se acima, mas o amor reduz, impõe um baixo no igual, nivelado,
face a face com o outro. O amor não é indecente porque faz assumir o respeito
ao que é diferente, por meio da proteção, afeto e ética, vividos tanto na comunidade,
corpo-para-si, como na presença, corpo-para-o-outro. Se o amor nunca falha é porque
é a solução do sagrado ao que não tem solução; deste modo é verdade, não por
ser resposta absoluta, mas por abrir o caminho por onde a vida deve passar – é
direção, estrada e espaço aberto para o depois; se preferir, uma trilha. Só
assim funda o elo de aceitação do outro. Ora, então o amor não se irrita, não
suspeita mal, pois sempre principia pela confiança e autenticidade, luta contra
a injustiça e se espraia na verdade. Trata-se do amor dirigido e tornado ação
no chão, que é da terra, sob a mentalidade do Cristo, sua ética comunitária e
de pertencimento em favor do outro, chamado simplesmente de próximo.
O corpo é a metáfora viva do amor; humano, perdidamente
humano, feito comunidade e presença.
Natanael Gabriel da Silva
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