“O doutor da lei respondeu: Aquele que teve misericórdia
dele. Então Jesus lhe disse: Vai e faze o mesmo.” – Lucas 10.37
E tem gente que faz pergunta achando que não há resposta, e
o doutor da lei (nomikos), um expert,
que sabia o que perguntava e não perguntava para saber, foi logo questionando a
devida providência para a conquista da vida eterna. Pergunta boa que todo
teólogo sistemático responde numa piscada, só não esperava o encaminhamento,
porque vale o que está escrito, mas também o que não está, e a pergunta voltou
a ele com outro conteúdo, na área onde era especialista, o sabedor dos textos e
do sagrado escrito, ao que o doutor correspondeu às expectativas, respondeu
memorizado, como deve ser a todo doutor da lei, recitou o desafio que ele mesmo
não compreendia direito, e saiu na ponta da língua, recitou sobre o amar a Deus de todo coração, de toda a alma, de todo
entendimento, coisas enormes que ninguém conhece na completude, a começar do
coração, ou da alma, o abismo interior da existência humana, mas tudo isso na raiz do amor a Deus, que certamente pensava ele seria ficar repetindo o
escrito, estudando o que não sabia e não tinha condições de saber, ou pensava
que por participar dos cerimoniais sagrados, seu amor já estaria carimbado.
Se com ele era assim, deveria ser também com Jesus, separou a recitação dos
mandamentos em duas etapas, como se fosse pregador protestante em dois pontos,
que pela ordem, indicava a sequência prioritária: amar a Deus primeiro e ao
próximo como a si mesmo, em segundo. Que bom que você sabe disso, e sabe como
se deve saber, disse Jesus algo parecido. Então, quem é o meu próximo? –
perguntou o doutor da lei sem esperar que houvesse resposta.
Ele estava certo, a resposta não viria, jamais. O que veio
foi uma história de um que sofrera na mão de assaltantes e ficara quase à morte,
jogado num caminho. Fez Jesus a narrativa do que poderia ser uma resposta e
quando terminou o próprio doutor da lei compreendeu que o amor começa com a
misericórdia, esta mostrada na vida do enigmático samaritano, um socorrista que
tinha saído sabe-se lá de onde, e tinha que estar passando tanto na história como
na vida do doutor da lei, exatamente naquele momento. Passou e ficou, porque o
samaritano não precisava socorrer, mas assumiu o desconhecido, pagou a conta
que não era dele, levou o necessitado para onde não precisaria ter levado, deu
um tanto que não tinha obrigação e disse que pagaria o resto quando voltasse,
porque a graça não tem uma única passagem, é tanto na ida como na volta, e o
milagre cai muitas vezes num mesmo lugar, o tanto que for necessário disse, o
que faltar, e o favor do samaritano encheu o presente e o futuro, fez o que
pode na hora, mas achou que poderia fazer mais depois, prometeu voltar e
derramar a abundância por sobre o que já havia incompreensível, inesperado e
desnecessário, e foi outra coisa que ficou no gancho porque a graça atua onde
tudo já foi saneado, o que parece findo e suficiente, necessário e urgente,
mesmo tendo sido resolvido, recebe depois mais graça, até parece que repousa
até onde a necessidade já passou, e eu creio nisso, ora se creio. Só a graça
faz isso, parece que vai, mas fica, parece que fica, e fica, parece que já fez
tudo, e fez, e depois do tudo vem o além do tudo, quando quem já está mais que
atendido e feliz sequer a espera. Mais graça? É mais ainda, e depois dela vem
outra, mas é a mesma, e quando para, isso ninguém sabe, acho que não para nunca. Ao doente, já atendido e abrigado, a
graça, na generosidade do samaritano, o visitaria outra vez e completaria o que
já se dava como perfeito. O doutor da lei ficou olhando, e Jesus disse, vá pelo
caminho do samaritano, começa por aí, faça o que não precisa ser feito, mas
faça o que não precisa fazendo muito, depois faça mais ainda, e como se não
bastasse, passe na volta para sobejar o que ainda acredita ser pouco, daí será possível a você compreender o tamanho do
coração, seu coração, que nem você sabia que poderia ser tão grande. Vai nessa
toada, visite a própria alma e na caminhada irá chegar na trilha de conhecer o
que significa amar a Deus. Faça isso sem desejo de troca, apenas o entregar-se
como quem apenas vai fazendo e ao fazer se torna pertencido e parte do
mistério. Você vai entrar e nunca mais vai querer sair.
O doutor da lei nem perguntou qual o conceito que o
samaritano tinha de Deus e se havia uma coisa que qualquer doutor da lei tinha
como regra é que samaritano nenhum poderia conhecer o suficiente sobre Deus pra
fazer tudo o que Jesus dissera. Ficou perdido, é claro: ele que sabia, não
sabia, o samaritano que não sabia, sabia. Escutou o doutor da lei um vá pelo
mesmo caminho e quem quer amar a Deus precisa começar na pisada da misericórdia.
Silêncio. Terminou nisso.
Natanael Gabriel da Silva
Nenhum comentário:
Postar um comentário