segunda-feira, 4 de maio de 2015

É POR AÍ MESMO



“O doutor da lei respondeu: Aquele que teve misericórdia dele. Então Jesus lhe disse: Vai e faze o mesmo.” – Lucas 10.37

E tem gente que faz pergunta achando que não há resposta, e o doutor da lei (nomikos), um expert, que sabia o que perguntava e não perguntava para saber, foi logo questionando a devida providência para a conquista da vida eterna. Pergunta boa que todo teólogo sistemático responde numa piscada, só não esperava o encaminhamento, porque vale o que está escrito, mas também o que não está, e a pergunta voltou a ele com outro conteúdo, na área onde era especialista, o sabedor dos textos e do sagrado escrito, ao que o doutor correspondeu às expectativas, respondeu memorizado, como deve ser a todo doutor da lei, recitou o desafio que ele mesmo não compreendia direito, e saiu na ponta da língua, recitou sobre o amar a Deus de todo coração, de toda a alma, de todo entendimento, coisas enormes que ninguém conhece na completude, a começar do coração, ou da alma, o abismo interior da existência humana, mas tudo isso na raiz do amor a Deus, que certamente pensava ele seria ficar repetindo o escrito, estudando o que não sabia e não tinha condições de saber, ou pensava que por participar dos cerimoniais sagrados, seu amor já estaria carimbado. Se com ele era assim, deveria ser também com Jesus, separou a recitação dos mandamentos em duas etapas, como se fosse pregador protestante em dois pontos, que pela ordem, indicava a sequência prioritária: amar a Deus primeiro e ao próximo como a si mesmo, em segundo. Que bom que você sabe disso, e sabe como se deve saber, disse Jesus algo parecido. Então, quem é o meu próximo? – perguntou o doutor da lei sem esperar que houvesse resposta.

Ele estava certo, a resposta não viria, jamais. O que veio foi uma história de um que sofrera na mão de assaltantes e ficara quase à morte, jogado num caminho. Fez Jesus a narrativa do que poderia ser uma resposta e quando terminou o próprio doutor da lei compreendeu que o amor começa com a misericórdia, esta mostrada na vida do enigmático samaritano, um socorrista que tinha saído sabe-se lá de onde, e tinha que estar passando tanto na história como na vida do doutor da lei, exatamente naquele momento. Passou e ficou, porque o samaritano não precisava socorrer, mas assumiu o desconhecido, pagou a conta que não era dele, levou o necessitado para onde não precisaria ter levado, deu um tanto que não tinha obrigação e disse que pagaria o resto quando voltasse, porque a graça não tem uma única passagem, é tanto na ida como na volta, e o milagre cai muitas vezes num mesmo lugar, o tanto que for necessário disse, o que faltar, e o favor do samaritano encheu o presente e o futuro, fez o que pode na hora, mas achou que poderia fazer mais depois, prometeu voltar e derramar a abundância por sobre o que já havia incompreensível, inesperado e desnecessário, e foi outra coisa que ficou no gancho porque a graça atua onde tudo já foi saneado, o que parece findo e suficiente, necessário e urgente, mesmo tendo sido resolvido, recebe depois mais graça, até parece que repousa até onde a necessidade já passou, e eu creio nisso, ora se creio. Só a graça faz isso, parece que vai, mas fica, parece que fica, e fica, parece que já fez tudo, e fez, e depois do tudo vem o além do tudo, quando quem já está mais que atendido e feliz sequer a espera. Mais graça? É mais ainda, e depois dela vem outra, mas é a mesma, e quando para, isso ninguém sabe, acho que não para nunca. Ao doente, já atendido e abrigado, a graça, na generosidade do samaritano, o visitaria outra vez e completaria o que já se dava como perfeito. O doutor da lei ficou olhando, e Jesus disse, vá pelo caminho do samaritano, começa por aí, faça o que não precisa ser feito, mas faça o que não precisa fazendo muito, depois faça mais ainda, e como se não bastasse, passe na volta para sobejar o que ainda acredita ser pouco, daí  será possível a você compreender o tamanho do coração, seu coração, que nem você sabia que poderia ser tão grande. Vai nessa toada, visite a própria alma e na caminhada irá chegar na trilha de conhecer o que significa amar a Deus. Faça isso sem desejo de troca, apenas o entregar-se como quem apenas vai fazendo e ao fazer se torna pertencido e parte do mistério. Você vai entrar e nunca mais vai querer sair.

O doutor da lei nem perguntou qual o conceito que o samaritano tinha de Deus e se havia uma coisa que qualquer doutor da lei tinha como regra é que samaritano nenhum poderia conhecer o suficiente sobre Deus pra fazer tudo o que Jesus dissera. Ficou perdido, é claro: ele que sabia, não sabia, o samaritano que não sabia, sabia. Escutou o doutor da lei um vá pelo mesmo caminho e quem quer amar a Deus precisa começar na pisada da misericórdia. Silêncio. Terminou nisso.

Natanael Gabriel da Silva

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