quinta-feira, 2 de abril de 2015

RESSURREIÇÃO E RECRIAÇÃO

“É verdade, este era o Filho de Deus.” Mateus 27.54c

Ao debater com os fariseus, na saída do templo, Jesus olhou e apontou: Não ficará pedra sobre pedra. Não era pouca coisa. Lugar santo, mais que aquele, impossível. Tão santo que a cidade eterna, ao invés de ser Roma, seria Jerusalém. Na Cidade Santa, havia o Santo Templo, lugar único e exclusivo. Deus ali era concebido como o guardião, e  aquela religião, como toda religião que se esquece da vida e das pessoas, simbolizada pelo lugar exclusivo do sagrado, como posse da geografia e da cultura, monolítica como pedra, vaidosa, de opulência imbatível, milenar, organizada, e que tinha um discurso sobre Deus que parecia insuperável, seria conquistada pelos campos da mensagem dos lírios, dos pardais, de filhos que retornam para casa, dos cegos abandonados, prostitutas a serem apedrejadas, endemoninhados frequentadores de sinagogas, viúvas sem nome; seria invadida pelas metáforas de moedas perdidas, de árvores onde cabe todo mundo, de tesouro que pode estar em qualquer canto,  e muita palavra lançada no espaço do cotidiano, à beira mar, pelo caminho, pelo caminho de novo, no meio da tempestade, no monte à multidão, outra vez no monte e na solidão, e Deus do lado de fora do Templo.

Deus no Norte da Palestina? O que é que havia lá? Nada, diziam os de Jerusalém, Deus não poderia vir de lá, como se tivesse vindo das províncias, ou de Temã, como diria Habacuque; seria humano demais. Deus não poderia estar lá, não entre os gadarenos da vida, endemoninhados e tomados pelo mal; e como explicar Deus libertando gente e dando aos porcos o privilégio de hospedarem os demônios, e estes sendo despejados de sua morada porque lá não era o lugar deles? E foi porco caindo pelo precipício no incompreensível e inexplicável suicídio, só para dizer que o mal, nem nos desprezados porcos da religião judaica, merecia viver. Só que o Templo não entendia disso, entendia de requinte, roupas de sacerdotes, regras pra se fazer isso, regras pra se fazer aquilo, até aqui você entra, depois daqui não, e se quiser colocar moedas do lado de fora, na entrada, senhora viúva pode colocar, mas fica aí, não passa daqui, porque o Templo só entende de Templo, é o lugar do requinte, do fino do fino, gente polida, doutores, letrados, mestres e mais doutores, estudiosos das leis divinas, das quais o ser humano só faz parte como expectador e vítima, e Jesus olhou e disse: Isso tudo vai acabar, e não demora muito. Não demorou mesmo. Com a destruição, Deus foi libertado daquela religião, pra depois ser aprisionado de novo, mas pelo menos por aquele momento ganhou as fronteiras do mundo, para todas as etnias e culturas, coisa que a gente ainda não entendeu direito.

Então, naqueles dias, veio um novo caos, como o havido antes da narrativa do Gênesis. Diz o texto que “houve trevas” (Mateus 27.45) e isso ao meio dia. Trata-se do inverso do “haja luz”, o primeiro ato de criação que fez surgir do nada, o tudo. Antes não havia luz, não se podia nem saber o que seria luz, e tudo foi então feito do nada. Na crucificação um “haja luz” ao contrário: “haja trevas”, para depois tudo começar de novo. E os sepulcros se abriram, os corpos dos santos saíram; possivelmente os mesmos santos que tinham sido vitimados pela ignorância, só para mostrar que a vida agora brotava da terra, literalmente, mesma terra da criação de Adão, e a morte ficou confusa, o que estava morto não estava mais, o dia virou um breu, e um terremoto tomou conta das estruturas porque o novo caos estava instalado. O terremoto moveu o lugar, o espaço onde a vida é sustentada, e é como se fosse o ajuntamento das águas quando do surgimento dos mares, lá no início do início.

Morria e nascia a vida, reinventada e ressuscitada para ser eterna, no caminho do perdão, da esperança, solidariedade e fraternidade.


Natanael Gabriel da Silva

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