“Cuidado para que ninguém se abstenha da graça de Deus...”
Hebreus 12.12ª
É uma expressão quase incompreensível, a depender do que
significa graça, numa linguagem que passa por muito teolojoquês e que a própria cristandade não tem dado conta de
explicar, e as igrejas vão se dividindo numa imensidão de comunidades, e o
todo, fragmentado, se perde nas verdades e nos sobrenaturalismos, mas quem sabe
um dia a pluralidade dos discursos consigam construir alguma totalidade, se é que esta já não seja a fragmentada.
Pois é, abster-se da graça é um problema porque impõe limite
ao que parece não ter limite. Uma graça que não seja plena, não poderia ser
considerada graça, na expressão correta da palavra. Ela já expressa aquela que
abarca tudo, até a impossibilidade de ser limitada pela vontade, e os
defensores do livre-arbítrio querem morrer com isso. Mas o protestantismo burguês
que se vire com a ruptura entre o sagrado e o profano, e a metafísica católica,
não mais feliz, com o drama da ausência de liberdade. Nos dois casos, a igreja
nunca se fez povo.
Uma coisa é a graça e sua plenitude, como manto que recaiu
na história e abraçou a vida, outra é o desfrutar da graça, e é aí que entra
Hebreus. Trata-se do encurtamento da graça, passada pela peneira da raiz de
amargura, como segue no texto, filtrada pela seriedade de vida, desejada na venda
da herança genética, conhecida como primogenitura, por Esaú e que por não ver o
futuro, se acabou em choro, derramou lágrimas, mas a história já havia sido escrita e
foi como se ele, Esaú, tivesse tocado as trevas e a tempestade, e a linguagem de Hebreus segue misturada com outro evento, para que os críticos literários possam
afirmar a ausência de algum texto, de alguma coisa qualquer, e a teologia assim
migra para os detalhes da literalidade para então se esquecer da graça
encurtada por Esaú e a dor de não ter nela se lambuzado por inteiro. A explicação estaria na vida e no futuro.
Eu sei que o texto parece simples demais. E é. Porque a
graça, na sua beleza, perdão e inclusão, tem que ser sorvida até onde se consegue, para depois ir mais além, e é como o horizonte sempre chegando, e mais caminhada. Vida
plena, diria Jesus. Leveza na jornada, apesar do nada, da ausência e
injustiça. Aí você não entende se há ou não limites, e fica dando voltas na
incompreensão da livre-vontade sem nunca saber onde começa e termina a graça,
pra descobrir que terminar e começar são metáforas do que não tem nem início
nem fim. E o que é ilimitado se encontra com o drama humano e o convida ao
descanso, por mais alienador que isso possa parecer; ao refrigério da
libertação profunda, por mais idealista que possa ser concebido; a uma vida
de presença do sagrado e sua companhia, por mais improvável que possa se dar. E
a amargura que faz sofrer, diria o autor aos Hebreus, sonha com o sofrimento e
retribuição do mal ao outro, e a graça sofre porque o desejo de fazer sofrer é por
si muito sofrimento, e a raiz de amargura vai abrindo e rasgando o coração e se
firmando, ferindo, e daí você perde a conta de quem de fato sofre mais, se o
outro, se o um. Sofre a graça que não se cansa de perdoar e ensinar o
acolhimento; volta à esquecida retribuição do bem pelo mal, ao depositar nela,
graça, o futuro mesmo que no presente faça mais sentido um prato de lentilhas.
É que a falta de significado e compreensão fazem parte da exacerbação da graça,
é seu conteúdo, seu mistério, imensidão e exagero.
Teologia nenhuma explica isso.
Natanael Gabriel da Silva
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