sexta-feira, 6 de junho de 2014

A FRASE QUE JESUS NUNCA DISSE

"E Jesus, movido de grande compaixão, estendeu a mão, e tocou-o, e disse-lhe: Quero, sê limpo!” – Marcos 1.41

É aqui vai o que Jesus nunca disse: Vamos orar. O vamos orar só é válido, se for um vamos imediato, ou se colocado como determinação e convicção, expresso por meio de um sentimento de preocupação e desejo de busca. Não é a esse vamos orar que me refiro. Trata-se daquele que é dito de maneira vaga e é colocado num futuro sem tempo  e já se dá como vazio logo na pronúncia.

Esse vamos orar tem cheiro de encerramento de diálogo com uma pitada de espiritualidade perdida. Já a ouvi no sarcasmo da ironia, no limite da discordância, quando os argumentos se tornam inconclusos, daí o que discorda olha e diz entre os lábios o que não acontecerá: Vamos orar, ou, vou orar por você. Não vai orar, é apenas uma sugestão de desvio, apontando que há um descaminho no modo de se compreender teologia e vida com Deus pelo interlocutor, e então o vamos orar sobre isso ou aquilo aparece como uma pérola de mal gosto, colocada como fim de frase, diálogo e bloqueio de qualquer argumentação, como se aquele que promete, cuidadoso fosse.

 Um dia, o responsável pelo setor de patrimônio, que havia negociado com toda a capacidade que lhe fora dada de articular argumentos, reduzir preço, parcelar o que já sofrera desconto, procurou o líder da igreja, numa manhã, sobre uma propriedade que certamente poderia dar um novo rumo à comunidade e esta dispunha de possibilidades para abraçar o desafio, e disse ao referido líder: É hoje, o preço é tanto, pegamos ou largamos. O pastor, que nunca concordara com a possibilidade de mudança, respondeu: Vamos orar. Não houve oração, é claro. Não houve nem intenção de oração, projeto de oração, esboço de oração, simplesmente nada, porque o vamos orar, não era vamos orar, e sim a colocação da questão num lugar qualquer, na zona do horizonte, onde ficou esquecido, guardado, perdido, e nunca houve resposta, porque nunca houve, de fato, pergunta.

Jesus disse o vou ali orar e foi, mas aquele vamos orar, não. Nunca disse porque não colocava no futuro a dor, nem a solidariedade. Era no ato, no já, no agora instantâneo, feito e confirmado pelo milagre, e quando disse pra Lázaro sair do túmulo não foi uma oração projetada no futuro, um depois que em alguns casos nunca chega, foi na verdade no contexto do profundo sentimento, presença de todos e a oração saiu com um eu sei Pai que sempre me ouves, e não ficou pra depois, nem pra daqui a pouco, mas no já. E estava feito. Ao leproso disse o eu quero, sê limpo! Disse e fez, na hora, quero agora, já, não quero pra depois, nem pra amanhã.

O vamos orar, esquecido depois de dito, anunciado como esperança que não se concretiza, promessa que nunca chega, não serve. Se ocorrer num daqueles vislumbres raros, surge sem o sentimento que movera o pedido, fosse de misericórdia, fosse de gratidão, e as palavras solenes, como quem conversa com respeito com o sagrado, se dão apenas como palavras que não têm interlocutor, vazias que são de humanidade e sofrimento solidário para com o que sofre. Porque oração é relacionamento com o humano, não é mágica que abre portas dos milagres, é ação humanizadora que muda mais quem ora do que o favorecido, que retorna aos ouvidos do piedoso, para que escute a si mesmo como se fosse um outro lhe dizendo da dor e do compadecimento. Você pode olhar as orações de Jesus e ver nelas os milagres. Tem muita gente que olha para as mesmas orações e vê nelas a profundidade do amor em movimento para o outro, o que faz dele ser mais humano do que a maioria dos estudiosos gostaria que fosse, e o coloca no chão diante da vida e da miséria, imediata e existencial.
 
O vamos orar irônico, nem merece frase de conclusão de texto.

Natanael Gabriel da Silva

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