terça-feira, 3 de dezembro de 2013

CARTA ABERTA A UM AMIGO PASTOR



 “E vos darei pastores segundo o meu coração, que vos apascentem com ciência e com inteligência” – Jeremias 3.15


Pois é, estava pensando e orando por você, quando, nesta manhã decidi responder a uma pergunta que você não me fez. O texto acima foi o que me veio, despertado, sem que o tivesse pedido ou programado. Texto fácil, mas ao mesmo tempo completo e pra entendê-lo é necessário conhecer um pouco o coração de Deus, e é aqui que a coisa complica.

Não conheço o coração de Deus, nem mesmo o meu. Às vezes me sinto forasteiro em mim mesmo, a fazer leituras e esboços de possibilidades que dependerão de tempo, muito tempo, pra alguma maturação.

Às vezes acho que o coração de Deus são projeções das nossas próprias neuras e desumanidade, e tenho a certeza de que Freud concordaria com isso. Outras vezes tento compreender que o texto bíblico faz um caminhar de uma religiosidade, que, diga-se de passagem, não deu certo, por ter sido desumana, em guerras de conquista que dependeram de massacres, incompreensíveis a qualquer mente mediana de nosso tempo, para o perfeito ato completo de humanização e amor, encontrados nos Evangelhos. Tenho horror à agressividade e tentativas constantes de cerceamento da liberdade, pois sempre aprendi que o Cristo dos Evangelhos era uma pessoa branda, de palavra mansa, e mesmo o evento do templo não deve ser tomado como regra de controle (ou descontrole), como se a vida se resumisse à beligerância. Por conta disso, também não me adapto ao discurso do poder, do controle do imaginário religioso pelo viés da manipulação, seja este com a finalidade de enriquecimento, seja com a finalidade de projeção de uma piedade forjada. Contudo, entre a religiosidade humana antiga das guerras da conquista e da Lei de Moisés até chegar nas bem-aventuranças do Sermão do Monte, muita gente fica perdida pelo caminho e com isso abraça um cristianismo pela metade. Tem gente que fica no poderio do reinado, ou se apodera da legitimidade profética para atribuir, a si mesmo, o controle da religião e da fé, como se fosse o único guardião da verdade. Irá encontrar outros que se identificação mais com João, o defensor do amor, do que com o inadequado recorte doutrinarista de Paulo, como se este apóstolo só tivesse ditado normas e estabelecido regras. Modelos é que não faltam.

Posso estar errado, mas diante da crescente desumanidade, clericalismo extremo e visão tão curta, e ao mesmo tempo tão sacramental da vida religiosa, haverá um momento quando, um/a jovem mostrar-se vocacionado/a ao pastoreamento, na decisão completa de entregar a vida pra cuidar de gente, os já pertencentes ao círculo de oficiais da religião, chamados de pastores, ao invés de se reunirem para repetir as milenares perguntas que nem sempre a fé conseguiu responder, cujo modelo veio importado para a perpetuação da doutrina, ao invés disso, e do modo mais brasileiro possível, irão celebrar o feito inédito e incomum numa churrascaria bem brasileira, com direito à alegria, abraços e profunda gratidão, porque num mar de jovens sem caminho, aquele, exatamente aquele, fez a incoerente e inexplicável opção de se tornar um porta-voz ao mundo da mensagem do amor, da generosidade, do resgate do excluído e do profundo respeito pela dignidade e vida humana.

É, não entendo mesmo nada do coração de Deus. Só quero, por carta, te abraçar e dizer que você é uma pessoa singular.

No Amor de Jesus,
Natanael Gabriel da Silva


4 comentários:

  1. Alonso Gonçalves publicou assim:
    Profundamente tocado com essas palavras. Obrigado pelo texto, ele acalentou meu coração nessa manhã de terça-feira. Grato pela sua vida.

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  2. Vale a pena ler seus textos que tocam a gente e diz sempre o que a gente gosta de ouvir (e ler). Deus o abençoe muito!

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  3. Normalmente, deixamos para comemorar (na churrascaria ou na cantina do templo) quando aquele que se diz vocacionado passa pelo crivo do concílio, depois que este condicionou todas as suas respostas àquilo de dele espera-se ouvir. Uma vocação é, sim, para ser celebrada, pois a disposição para servir é jóia rara nesses tempos de business gospel. Por outro lado, a denominação impõe seus filtros com o propósito de certificar-se - se é que é possível ter esta certeza - se aquele que alega a vocação o faz por emoção, razão, opção ou falta de opção. Encontrar um equilíbrio entre uma coisa e outra é o desafio que temos. Parabéns pelo texto, Pr. Natanael!

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