“Vendo-se iludido pelos magos, enfureceu-se Herodes grandemente e mandou
matar todos os meninos de Belém e de todos os seus arredores, de dois anos para
baixo, conforme o tempo do qual com precisa se informara dos magos.” – Mateus
2.16
A beleza da narrativa sobrenatural sobre os eventos do nascimento
de Jesus quase escondem a tragédia das crianças vitimadas por Herodes. O
paradoxo do Natal, nascimento e morte, morte e nascimento, não deve ser visto
como uma coisa oposta a outra, embora esta ideia não esteja definitivamente
afastada. É uma questão de pano de fundo onde a malignidade atinge um grau de
bestialidade tal que vai além do limite da possibilidade de compreensão.
Ao mesmo tempo, a poesia da vida que nascia, em forma de liberdade e perdão,
também extrapolava a possibilidade do entendimento humano no inconceito do que
é chamado de Graça. Daí você me pergunta, onde afinal estava Deus que não fez
nada em defesa dos inocentes, e daí eu também respondo, que a malignidade do
coração humano aparece no texto e na história como registro superlativo, a
ponto de fazer o que fez, sem dó ou piedade, dando assim vazão à perdição
irrecuperável da condição humana. A morte dos inocentes foi, antes de tudo, um
exagero e aberração da falta de sentido.
O nascimento de Jesus é ameaçador e deflagra a morte por conta do inexplicável
medo que tomara conta de Herodes. Não iria acontecer nada em seu tempo. Herodes não
viveria o bastante pra ver o que significaria a estrela, o menino e Belém. Nada
sabia sobre profecias, promessas e salvação. Só entendia de morte e impiedade
absoluta. Coisas do coração humano, que geraram pavor e dor, consternação e
impotência dos oprimidos, e o lamento espraiou-se sem fim (Mateus 2.17,18),
choro e perda inconsolável. Tudo isso fazia a luz de Jesus ser mais luz, o
perdão, mais perdão ainda, e a necessidade de misericórdia, mais misericordiosa
ainda, e a esperança, mais esperançosa ainda. Tudo no superlativo, pois só um
superlativo de vida é capaz de enfrentar o superlativo da morte e da miséria
humana; superá-lo e assim tornar o paradoxo apenas aparente, mas sem eliminar a
dor da perda, nem ocultar a tragédia humana, quando esta acredita ter o poder e
a capacidade de controlar a história.
E foi neste contexto que Jesus nasceu.
Natanael Gabriel da Silva
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