Só sei que a fila não andava. Talvez por conta da lentidão
do caixa, ou de falhas de equipamentos, ou os esquecimentos de senhas e números
como ocorrência natural na fila da terceira idade. De qualquer modo, a fila não
andava.
Depois de perceber que cansara os ouvintes do carrinho de
trás, ela voltou-se para nós e, em razão do sorriso sempre dado a quem
demonstra viver em solidão e é ávido/a por filas de supermercado só para
conversar, destinou a contar histórias, com pouquíssimas interrupções, até
porque precisava respirar. Só que a fila não andava. Jesuina lembrou-se do
feijão. Feijão estratégico. Senti-me culpado por não ter me lembrado do feijão
quando sempre me encontrava com um interlocutor/a que apresentava um relatório
de espiritualidade e fé, curas e milagres, depois de saber que eu era pastor.
Tem coisa que você precisa escutar quando não se lembra do feijão. O feijão
veio, trazendo Jesuina, assim que depositei as coisas no balcão. Feijão
demorado. Talvez até rápido, a considerar o plantio, colheita, limpeza e
ensacamento.
Jesuina convivia, procurava ou se ocultava no feijão, quando
a interlocutora, desejando uma reação à conversa que não havia, entrou pelo
caminho da religião se identificando, o que não precisava, como pertencente a
uma determinada comunidade. Daí me perguntou: - Sabe de onde Deus veio?
Respondi que não, é claro. E ela continuou: - Deus veio de Temã, veio das
províncias. Está escrito em Habacuque, reafirmou. E está mesmo: “Deus veio de
Temã, o Santo veio do monte de Parã” (Habacuque 3.3).
Deus vindo de Temã, das províncias, deve ser um Deus humano
que caminha com o povo e nasce no meio do imaginário da tribo. Um Deus da
comunidade, da terra, do campo, aquele que estava sobre as águas e que num dado
momento foi colocado lá em cima. O fato de estar “lá em cima”, não significa
que veio de lá. Significa que está lá, só isso. Talvez tenha ido pra lá, não
sei, depois de descansar sobre a face das águas e criar tudo. Que veio de Temã,
veio. Se somente ao profeta e seu cântico litúrgico em forma de oração, também
não sei. Ou ainda se tomado por amor e aproximação à vida e compromisso com a
caminhada, como aquele que se deslocou de Temã pra ouvir o sofrimento de quem
estava longe, também não sei. Se Temã é símbolo de um lugar como ponto de
partida, lugar distante, como quem apontaria hoje para o imenso e insondável, e
que propusera a percorrer por meio de uma viagem a existência até encontrar o
adorador, também não sei. Sei que seria o Deus que continuaria sendo o que
sempre foi, mesmo que faltasse tudo, mas disso Habacuque se ocuparia depois
(3.17,18). Por ora, apenas um Deus que vive próximo, sem a imagem do Criador,
do que está no céu e tem a terra como estrado; um Deus vindo da terra, com nome
e endereço. Um Deus de Temã, como eu, que vim de um lugar e caminho para o
futuro, e isso que me pareceu próximo, confortador e profundamente humano.
- Sabe de uma coisa? – continuou minha interlocutora sem
saber que, na sua simplicidade, havia me dado o conforto da presença do divino.
– Ei, moço sabe de alguma coisa? – insistiu quando me viu sorrir com os
pensamentos que não poderia compreender. – Sabe onde fica Temã? Ninguém sabe.
São os mistérios de Deus.
Se Temã for a terra de Edon (Jeremias 49.7), de onde viera
um dos amigos de Jó (Jó 2.11), então o mistério é o outro, da tribo de Esaú, o
famigerado abandonado como inimigo de Deus. Se Deus veio de lá, veio do exílio,
da terra de ninguém, daquele que é considerado ninguém, mas de repente também
recebe o cuidado de Deus, a ponto dele morar lá. Se lá foi o seu nascimento, e
deve ter sido, então esse Deus que veio de Temã é misericordioso demais, abraça
todo mundo e é capaz de deixar o lugar de onde veio, pra estar comigo e me dar
esperança. Se ele veio de lá, então o estrangeiro sou eu, não o outro. O outro é, e eu sou a imagem e a sombra. Mesmo assim, Deus veio.
Ganhei o dia. E você, talvez, o texto.
Natanael Gabriel da Silva
Gostei!
ResponderExcluirQuem nasce em Temã é temente?
Eu também não sei. Aliás, o irmão apenas
confirmou que Ele (?) veio de Temã e embarcou
na caminhada e foi pelo imaginário, mostrando
que devemos observar as ocasiões e aproveitá-las,
o que nobre mestre Natanael o fez muito bem!
Que privilégio é o meu, poder usufruir da preciosa
companhia, ainda que no virtual e aprender mais
um pouco acerca de Tamã!...
Pr. Abel Pereira de Oliveira
É incrível como a sabedoria está na própria vida e não em caminhos complicados de teorias complexas, a caminhada por si só já ensina, seja por onde quer que Ele tenha vindo sua caminhada faria dEle o que Ele é,era e sempre será. E, como aprendi aqui no blog, independente de onde Ele esteja o importante é saber que o que faço me aproxima dEle. Ótimo texto.
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