quinta-feira, 12 de setembro de 2013

SABE DE ONDE DEUS VEIO?



Só sei que a fila não andava. Talvez por conta da lentidão do caixa, ou de falhas de equipamentos, ou os esquecimentos de senhas e números como ocorrência natural na fila da terceira idade. De qualquer modo, a fila não andava.

Depois de perceber que cansara os ouvintes do carrinho de trás, ela voltou-se para nós e, em razão do sorriso sempre dado a quem demonstra viver em solidão e é ávido/a por filas de supermercado só para conversar, destinou a contar histórias, com pouquíssimas interrupções, até porque precisava respirar. Só que a fila não andava. Jesuina lembrou-se do feijão. Feijão estratégico. Senti-me culpado por não ter me lembrado do feijão quando sempre me encontrava com um interlocutor/a que apresentava um relatório de espiritualidade e fé, curas e milagres, depois de saber que eu era pastor. Tem coisa que você precisa escutar quando não se lembra do feijão. O feijão veio, trazendo Jesuina, assim que depositei as coisas no balcão. Feijão demorado. Talvez até rápido, a considerar o plantio, colheita, limpeza e ensacamento.

Jesuina convivia, procurava ou se ocultava no feijão, quando a interlocutora, desejando uma reação à conversa que não havia, entrou pelo caminho da religião se identificando, o que não precisava, como pertencente a uma determinada comunidade. Daí me perguntou: - Sabe de onde Deus veio? Respondi que não, é claro. E ela continuou: - Deus veio de Temã, veio das províncias. Está escrito em Habacuque, reafirmou. E está mesmo: “Deus veio de Temã, o Santo veio do monte de Parã” (Habacuque 3.3).

Deus vindo de Temã, das províncias, deve ser um Deus humano que caminha com o povo e nasce no meio do imaginário da tribo. Um Deus da comunidade, da terra, do campo, aquele que estava sobre as águas e que num dado momento foi colocado lá em cima. O fato de estar “lá em cima”, não significa que veio de lá. Significa que está lá, só isso. Talvez tenha ido pra lá, não sei, depois de descansar sobre a face das águas e criar tudo. Que veio de Temã, veio. Se somente ao profeta e seu cântico litúrgico em forma de oração, também não sei. Ou ainda se tomado por amor e aproximação à vida e compromisso com a caminhada, como aquele que se deslocou de Temã pra ouvir o sofrimento de quem estava longe, também não sei. Se Temã é símbolo de um lugar como ponto de partida, lugar distante, como quem apontaria hoje para o imenso e insondável, e que propusera a percorrer por meio de uma viagem a existência até encontrar o adorador, também não sei. Sei que seria o Deus que continuaria sendo o que sempre foi, mesmo que faltasse tudo, mas disso Habacuque se ocuparia depois (3.17,18). Por ora, apenas um Deus que vive próximo, sem a imagem do Criador, do que está no céu e tem a terra como estrado; um Deus vindo da terra, com nome e endereço. Um Deus de Temã, como eu, que vim de um lugar e caminho para o futuro, e isso que me pareceu próximo, confortador e profundamente humano.

- Sabe de uma coisa? – continuou minha interlocutora sem saber que, na sua simplicidade, havia me dado o conforto da presença do divino. – Ei, moço sabe de alguma coisa? – insistiu quando me viu sorrir com os pensamentos que não poderia compreender. – Sabe onde fica Temã? Ninguém sabe. São os mistérios de Deus.

Se Temã for a terra de Edon (Jeremias 49.7), de onde viera um dos amigos de Jó (Jó 2.11), então o mistério é o outro, da tribo de Esaú, o famigerado abandonado como inimigo de Deus. Se Deus veio de lá, veio do exílio, da terra de ninguém, daquele que é considerado ninguém, mas de repente também recebe o cuidado de Deus, a ponto dele morar lá. Se lá foi o seu nascimento, e deve ter sido, então esse Deus que veio de Temã é misericordioso demais, abraça todo mundo e é capaz de deixar o lugar de onde veio, pra estar comigo e me dar esperança. Se ele veio de lá, então o estrangeiro sou eu, não o outro. O outro é, e eu sou a imagem e a sombra. Mesmo assim, Deus veio.

Ganhei o dia. E você, talvez, o texto.

Natanael Gabriel da Silva

2 comentários:

  1. Gostei!
    Quem nasce em Temã é temente?
    Eu também não sei. Aliás, o irmão apenas
    confirmou que Ele (?) veio de Temã e embarcou
    na caminhada e foi pelo imaginário, mostrando
    que devemos observar as ocasiões e aproveitá-las,
    o que nobre mestre Natanael o fez muito bem!
    Que privilégio é o meu, poder usufruir da preciosa
    companhia, ainda que no virtual e aprender mais
    um pouco acerca de Tamã!...

    Pr. Abel Pereira de Oliveira

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  2. É incrível como a sabedoria está na própria vida e não em caminhos complicados de teorias complexas, a caminhada por si só já ensina, seja por onde quer que Ele tenha vindo sua caminhada faria dEle o que Ele é,era e sempre será. E, como aprendi aqui no blog, independente de onde Ele esteja o importante é saber que o que faço me aproxima dEle. Ótimo texto.

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