“Jesus estendeu a mão e o tocou, dizendo: Quero; sê
purificado. No mesmo instante ele foi purificado da lepra.” Mateus 8.3
Texto curto. Curtíssimo. O encerramento do Sermão do Monte,
aliás, longo Sermão do Monte, quase um livro dentro do livro (e acho que é) é
sucedido pelo sopro do texto da cura, algo como uma pedra ou acidente depois
da linha de chegada. Narrativa escrita numa penada só, como um suspiro. Você e
eu, encantados com o Sermão, passamos por cima dele e vamos logo pro seguinte.
Às vezes nem isso: a leitura fica no verso anterior e só será lido se há aquele
propósito radical de se ler texto por texto, a partir do Gênesis até o Apocalipse. Talvez um dia alguém fale dele, mas certamente
irá preferir outros tantos leprosos em outras narrativas onde o milagre se
apresenta mais encorpado. Um texto curto, não chama a atenção nem de pregadores
e propagandistas da fé, porque não pode ser dividido, não tem três pontos, acho
que nem dois, e parece insuficiente pra estruturar a lógica aristotélica dos
discursos de argumentação a buscar alguma verdade.
É que às vezes, a verdade, é mais importante que a pessoa, o
curado, o submetido, aquele que se rendeu como pessoa diante de outra pessoa e,
sem qualquer argumentação, fez o que a vida deve fazer quando se depara com
aquele que se manifesta humanamente divino: ajoelhou-se. Não perguntou sobre o
alcance da lei. Não quis saber se um dia o sol havia parado mesmo, como tinha
sido a abertura do mar vermelho, nem quis saber como é que Jesus sabia ser quem era, sua missão e mistério. Não perguntou pelo futuro, vida e descanso eterno:
fator que quase esgota as forças e os limites de trabalho do discurso do
protestantismo histórico, como se o ser humano só pudesse ter sido o que é para
isto: a luta pela eternidade. Não fez nada disso. Nem fez pergunta. Fez uma
afirmação, e na afirmação a rendição. O “Senhor, se quiseres...” é demais.
Entrega da vontade, submissão, contemplação, rendição, insuficiência, dor pela indignidade
e que se dá como um entregue, limite das forças, cansaço, esgotamento ao extremo,
nem desejou saber sobre o que acontecera no monte, não reclamou a demora, mas
deu-se por excluído; não pudera fazer parte do grupo de privilegiados que
escutaram as bem-aventuranças. O conteúdo de sua vida era só o sofrimento, não
tinha nada a oferecer, nem perfume para lavar os pés de Jesus, que como ele,
também era um andarilho. Não é dúvida, “se”, que hoje seria substituído pelo
“eu determino” da religião de consumo. Foi apenas entrega, total e irrestrita.
Ponto.
Ponto não, travessão, porque daí vem o “quero”. Também
curto. Quero e quero liberar a graça e a humanização do banido e excluído. Não
perguntou pela fé do que seria curado. Não questionou o passado do infeliz, nem
recomendou qualquer comportamento ético. Nada sobre a razão de ter ficado daquele jeito, nem de onde era, o que fazia ao pé do monte, o que poderia entregar em
troca, não pediu a vida dele, não o submeteu com o autoritarismo próprio de
quem se dá em vantagem a um miserável, muito presente nos sistemas religiosos e
suas esferas de poder, não prometeu curar todo mundo e não fez propaganda do
milagre para angariar seguidores, não pediu moeda ou dízimo, não se reuniu com
ele para cantar um hino e ter uma liturgia semelhante às religiões populares
que dependem de uma forma de culto específico para a manifestação do
sobrenatural. Só “quero” e se “quero”, acabou aqui. Acabado de um modo que
ninguém precisa ficar sabendo, basta você mostrar ao sacerdote que o seu
coração foi visitado pela graça de Deus, que não escolhe pessoas, e nem precisa
de longo texto e argumentação pra confirmar o já sabido, que a vida é o assunto
de Deus.
O Sermão do Monte agora, finalmente, estava concluído.
Natanael Gabriel da Silva
Ótima reflexão, um trajeto reto para um objetivo profundo em algo bem na frente, Jesus sem rodeios. O Evangelho é a vida objetivada pelo "viver" e "ver a vida" na minha opinião.
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