quarta-feira, 15 de maio de 2013

A GRAÇA QUE FAZ SOFRER


"Compadecei-vos de mim, amigos meus, compadecei-vos de mim, porque a mão de Deus me tocou.” – Jó 19.21

E havia tocado na direção do sofrimento.

Ser ferido de Deus, como diria o profeta, é coisa grande. Coisa sem saída, porque Deus é o símbolo do limite, o sumo bem, que de tão imenso não cabe na história e nem no tempo. Na verdade envolve a história e o tempo e seus “aniversários” são de eternidade em eternidade. Mais que isso, envolve tudo, o criado, o por ser criado, inventado e percorrido.

Daí Jó caiu nas mãos de Deus e ficou só.

A declaração “Porque eu sei que o meu Redentor vive...” possibilitou aos leitores, que ainda necessitam justificar a legitimidade histórica de Jesus, quase ocultar o resto do texto. No resto está uma pessoa, um personagem solitário e que enfrenta o sofrimento com poesia e versos; que não se afasta dos amigos, nem de Deus, porque sofrer é uma forma de manter-se vivo.

Em que pese todo esforço literário para dar a Jó a fé num futuro, que não se sabe nem quando em razão de não ser possível fixar uma data para o texto, a expressão “Porque eu sei que meu Redentor vive...” se aproxima de Jesus como toda palavra de esperança tida e havida nos livros antigos. Só que isso é um exagero profético, sem qualquer necessidade ou amparo exegético.

Este clamor, humano, profundamente humano, solitariamente humano, “Porque eu sei que meu Redentor vive...”, é uma declaração de submissão incompreensível, diante de uma graça que faz sofrer e que também não pode ser compreendida. É uma confissão de limite: “não consigo sair sozinho”, só que não há um outro para tirar-me de onde estou e me livrar do sofrimento causado por Deus. Quando estiver livre de Deus, vou correr ao encontro do próprio Deus, irei vê-lo de um modo como ninguém nunca viu ou verá. Trata-se do cruzamento futuro entre a convicção, o desejo e a imaginação, uma confiança contaminada por uma possível esperança, necessária para que Jó continuasse humano, no espaço da limitação e solidão, mas que projeta a tênue segurança necessária de superação do insuportável.

Uma graça que faz sofrer e que continua sendo graça.  O limite do humano na sua condição de solidão e esperança. Simplesmente, o caminho ambíguo e ameaçador do que significa a vida.

Natanael Gabriel da Silva

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