quinta-feira, 6 de junho de 2013

A FÉ E AS MÃOS




“E Jesus disse-lhe: Se tu podes crer; tudo é possível ao que crê.”
“porque ensinava os seus discípulos e lhes dizia: O Filho do Homem será entregue nas mãos dos homens e matá-lo-ão; e, morto, ele ressuscitará ao terceiro dia.”
Marcos 9,23 e 31.

E daí interpreta-se o “...tudo é possível ao que crê” como se fosse uma vocação mágica de uma força externa capaz de alterar o curso de uma vida e de uma história, e assim saem os fiéis às comunidades exercitando a subjetividade profunda como se fé pudesse ser resolvida e confundida com um desejo. Deste modo a fé se torna desarticulada da vida, subjetiva demais, pessoal demais, em alguns casos, determinista demais.

Conversava um dia destes, durante uma celebração de inauguração de um Templo, com um amigo a quem tenho profunda admiração e ele me ensinava que: - Deus cuida, e cuida de tudo, você não precisa se preocupar, tudo está no controle dele. Esse é um exemplo de fé fundamentada no descanso. Ela, a fé, não emerge como por estalo, já está presente, porque faz parte da vida e se tornou um modo de viver: o viver no descanso. Trata-se de uma escolha.

Por conta disso, uma coisa é estar nas mãos de Deus, outra é estar nas mãos do ser humano e é por essa razão que os narradores dos três Evangelhos colocam as duas passagens, uma seguida da outra. Só que o estar nas mãos de Deus, no caso, não caminha na direção tão somente do descanso, mas na preservação e restauração da vida. Isto é, a vida daquele lunático havia sido preservada, a de Jesus, ao contrário, o caminho seria de morte, porque uma coisa é estar nas mãos de quem dá e ama a vida, outra é estar nas mãos do ser humano, que pelo ódio mata e destrói, sem piedade. Bem, nesse caso, ter fé poderia ser aquele que tem paixão pela vida e luta para preservá-la, que não fica se aglomerando por sobre a tragédia humana como se fosse espectador de circo, ou diante da mesma cena, discutindo princípios de religião e motivação para o estado deprimente do miserável que ali se encontrava como se ele estivesse numa arena (“E, quando se aproximou dos discípulos, viu ao redor deles grande multidão e alguns escribas que disputavam com eles.” – Marcos 9,14).

É possível que o “crer”, ou “ter fé” no texto esteja mais relacionado à vida, no inconformismo da exclusão e do mal que assumia a totalidade da existência daquele miserável, do que com um sentimento "de confiança", do "vai dar certo", ou "tem que dar certo, eu reivindico"; mais a ver com o humano que com o divino, mais voltado para recriação da vida que para a subjetividade.

Ao contrário disso, Jesus seria entregue nas mãos dos homens e padeceria por conta da desumanidade destes. Jesus não tinha falta de fé, e não morreu por causa da ausência desta em sua vida, porque falta de fé é falta de amor, e a oração e o jejum vêm por conta do profundo sentimento de dor e sofrimento diante da tragédia humana. Como no descanso, não surge por encanto e magia, mas se dá como sentido e paixão pela vida, no inconformismo diante do sofrimento e da desumanidade.

Natanael Gabriel da Silva



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