“porque ensinava os seus discípulos e lhes dizia: O Filho do Homem será entregue nas mãos dos homens e matá-lo-ão; e, morto, ele ressuscitará ao terceiro dia.”
Marcos 9,23 e 31.
E daí interpreta-se o “...tudo é possível ao que crê” como
se fosse uma vocação mágica de uma força externa capaz de alterar o curso de
uma vida e de uma história, e assim saem os fiéis às comunidades exercitando a
subjetividade profunda como se fé pudesse ser resolvida e confundida com um
desejo. Deste modo a fé se torna desarticulada da vida, subjetiva demais,
pessoal demais, em alguns casos, determinista demais.
Conversava um dia destes, durante uma celebração de
inauguração de um Templo, com um amigo a quem tenho profunda admiração e ele me
ensinava que: - Deus cuida, e cuida de tudo, você não precisa se preocupar,
tudo está no controle dele. Esse é um exemplo de fé fundamentada no descanso.
Ela, a fé, não emerge como por estalo, já está presente, porque faz parte da vida
e se tornou um modo de viver: o viver no descanso. Trata-se de uma escolha.
Por conta disso, uma coisa é estar nas mãos de Deus, outra é
estar nas mãos do ser humano e é por essa razão que os narradores dos três
Evangelhos colocam as duas passagens, uma seguida da outra. Só que o estar nas
mãos de Deus, no caso, não caminha na direção tão somente do descanso, mas na
preservação e restauração da vida. Isto é, a vida daquele lunático havia sido
preservada, a de Jesus, ao contrário, o caminho seria de morte, porque uma
coisa é estar nas mãos de quem dá e ama a vida, outra é estar nas mãos do ser
humano, que pelo ódio mata e destrói, sem piedade. Bem, nesse caso, ter fé poderia ser
aquele que tem paixão pela vida e luta para preservá-la, que não fica se
aglomerando por sobre a tragédia humana como se fosse espectador de circo, ou
diante da mesma cena, discutindo princípios de religião e motivação para o
estado deprimente do miserável que ali se encontrava como se ele estivesse numa
arena (“E, quando se aproximou dos discípulos, viu ao redor deles grande
multidão e alguns escribas que disputavam com eles.” – Marcos 9,14).
É possível que o “crer”, ou “ter fé” no texto esteja mais relacionado à vida, no inconformismo da exclusão e do mal
que assumia a totalidade da existência daquele miserável, do que com um
sentimento "de confiança", do "vai dar certo", ou "tem que dar certo, eu reivindico"; mais a ver com o humano que com o divino, mais voltado para recriação
da vida que para a subjetividade.
Ao contrário disso, Jesus seria entregue nas mãos dos homens
e padeceria por conta da desumanidade destes. Jesus não tinha falta de fé, e
não morreu por causa da ausência desta em sua vida, porque falta de fé é falta
de amor, e a oração e o jejum vêm por conta do profundo sentimento de dor e
sofrimento diante da tragédia humana. Como no descanso, não surge por encanto e
magia, mas se dá como sentido e paixão pela vida, no inconformismo diante do
sofrimento e da desumanidade.
Natanael Gabriel da Silva
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