sábado, 26 de janeiro de 2013

DEPOIS DA CEIA


“E, acabada a ceia...” – João 13.2

Paulo se preocupou com o antes. O examine-se, de I Coríntios 11.28, deixa isso bem claro. Depois de recomendar a recuperação da memória pessoal, retoma a memória no rito e o organiza, pelo menos em linhas gerais. A forma ainda era uma preocupação central na vida de Paulo, em face do cristianismo nascente. A perseguição era ainda puramente religiosa, quando da escrita do texto, e o que era ruim, ficaria pior, com a deflagração de uma guerra contra os cristãos pelo Império. Só que isso aconteceria depois e por hora era necessário firmar algumas estacas e diretrizes que tornavam o cristianismo um evento singular.

O mapa de João é outro. Até os mais conservadores precisam situar a literatura joanina, e sua escola, pelo menos no final do primeiro século, ou depois. O Império já havia promovido horrendas atrocidades e a expectativa da cessação da luta armada e de morte contra a Igreja parecia uma impossibilidade, e só poderia ser sonhada por meio de uma hecatombe apocalíptica. Como é possível sobreviver sob o medo e a intransponível ameaça? Sonhar com um céu? Sim, mas também manter os laços profundos de comunhão e ajuda mútua, daí o discurso do amor, tão presente em João.

João não estava preocupado com o rito, nem com o que fora antes, mas com o depois. Sequer menciona detalhes do que seria a Ceia, por mais significativa que fosse esta para o cristianismo que se fez no entorno do evento da paixão, que o próprio João valoriza e dedica metade de seu Evangelho para o tema. A questão era o depois, e depois da ceia, meu amigo, o que vale mesmo é pegar a toalha, se ajoelhar aos pés do irmão, lavá-los e enxugá-los, em submissão e amor. Isso é que seria uma ceia, segundo João. Não a preocupação de como se come o pão ou se bebe o vinho, nem das palavras que se diz quando se faz isso, nem mesmo em relação à interioridade de quem participa do ato comunitário. A memória de Jesus está na atitude de humildade profunda, reconhecimento do outro como pessoa e celebração do amor como união, dependência e alvo da vida, e o Cristo recordado na memória emerge na ação sublime do outro ser considerado superior a si mesmo, e pedir perdão pelo que não fez, tornar-se servo sendo Mestre, e praticar o ato impossível e inesperado de um total despojamento da pessoalidade.

Isso não acontece antes, nem durante, mas depois, porque a vida não está no rito, mas no encontro com o outro, o que torna o Evangelho mais comprometido com o próximo do que gostaríamos, e mais dependente de vida do que de enunciados.

pr. Natanael Gabriel da Silva


Um comentário:

  1. Bom dia Pr. Natanael.

    Receber - "Ver o semblante de Deus no outro!"
    Que coisa maravilhosa!!!
    Muito obrigada.

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