“E deu Deus a Salomão sabedoria, e muitíssimo entendimento,
e largueza de coração, como a areia que está na praia do mar” – I Reis 4.29
Desculpe a informação mais técnica, quase como aquele que
leva à mesa as panelas do fogão. Contudo, se você fizer a leitura do primeiro
livro dos Reis do capítulo 1 ao 4, de uma só vez, entenderá a minha
preocupação.
É que a oração, à noite, feita por Salomão (3.5-15) pode ser
compreendida como uma manifestação voluntária e quase acidental, ou até mesmo
como necessidade de um novo projeto de vida. Raramente se pensa que fora uma
noite de crise e de reencontro com um novo sentido de ser e viver. Pode-se ler
o texto imaginando que Salomão estava descansando, como uma criança, e num dado
momento, por meio de um sonho, o Senhor conversou com ele. Pode-se, porém,
pensar que Salomão sofria a dor profunda do desconforto e descompasso de vida,
pois ninguém seria capaz de viver a vida toda sob a égide do medo e da morte.
É daí que entra a diferença entre o Salomão dos eventos
anteriores à noite escura da alma, como diria São João da Cruz, e o Salomão
despertado no dia seguinte. Anteriormente, Salomão via o mal e a ameaça em
tudo, e começou matando. Matou em nome de Deus. Viu a ameaça futura, e tentou
prevenir o presente, porque todo o ditador e centralizador, que para o rei
caberia mais a expressão “tirania”, mata no presente pra se proteger do futuro,
lança a dúvida da catástrofe aos subordinados que o elevam à categoria de único,
capacitado e responsável pra livrar a comunidade de um futuro que está colocado
lá somente através do medo. Tipo Vargas que se deu como único capaz de enfrentar uma
ameaça que não havia, mas que foi suficiente pra apresentar-se como o
libertador de fibra que a sociedade precisava. Salomão aprendeu cedo que não se
lidera assim.
Daí entrou em pânico, e foi preciso uma noite escura da alma
para que ele se desse como uma pessoa de bom senso, inteligência e que abrisse
o coração para a vida e às pessoas. Deste modo, não foi por acaso que a
primeira coisa que faz depois do sonho, é julgar prostitutas. Não julgar as
prostitutas por serem prostitutas, mas estava lá presente a questão moral de
duas mulheres que administravam uma casa de prostituição, e estava também
presente a vida futura de uma desconhecida e inonimada criança. Foi o seu
primeiro teste. Descobriu que é saboroso viver com bom senso, utilizar a
inteligência pra salvar ao invés de condenar, e ter o coração escancarado pra
passar tudo e abraçar tudo, um coração da largueza do mundo, imenso, alto e aberto
pra preservar a vida.
O que fez Salomão depois? Foi ser poeta (4.32) e visitou a
natureza pra aprender o que é paz e vida (4.33). São os sintomas de um coração
aberto: preservar a vida, cantar e escrever o exagero de sentido da existência na
poética e celebrar a natureza. Depois disso, nasceu o sábio (4.34).
pr. Natanael Gabriel da Silva
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