quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

TRÊS DIAS

“E esteve três dias sem ver, e não comeu nem bebeu.” – Atos 9.9

Três dias de angústia, na solidão e voltado apenas para de si mesmo, refletindo e tentando compreender o que acontecera. A experiência de Paulo foi tão marcante, que precisava também passar pelos próprios três dias, como Jonas. Este, depois de ter visto a morte, precisou ficar engolido e só, quieto, pensando, conversando consigo mesmo e com Deus. Pra Jonas, aparentemente, três dias inúteis. Mas se Jonas foi vomitado, Paulo fez o contrário e jogou fora sob o efeito de espasmos, a sujeira que estava dentro de si.

Três dias. Se alguém lhe dissesse que você iria passar uma experiência religiosa e que ficaria três dias em estado de morte, consumindo a culpa, questionando o futuro, sem chão, apagando tudo pra reescrever a vida, teria coragem de enfrentá-la? Creio que não, porque somos tão apadrinhados pelo prazer que uma experiência de fé precisa, necessariamente, fazer bem. Tem que dar prazer. É complicado pensar em Isaías 6 e  o profeta saindo do templo pesaroso e olhando pro chão, inquieto. Pensar que Abraão ofereceu o filho em sacrifício sorrindo! Que ele obedeceu, isso sim, mas se alegrou? “Oba! Hoje vou oferecer o meu filho em sacrifício, que jóia!” Claro que não. A cada passo, o trágico se aproximava, e Abraão obedeceu porque não era pós-moderno, nem precisava de uma religião que desse algum tipo de compensação: só a presença de Deus.

Paulo também não ficou sorrindo. Ficou pensando. Três dias para visitar a alma. Temporariamente cego para não ver nada, porque não precisava olhar pra fora, mas pra dentro. Depois virou tradição, e a gente ora e pra olhar pra dentro, fecha os olhos, mas isso já é cópia e ritual. Paulo não teve opção e ficou três dias convivendo com o silêncio de Deus. Depois de uma experiência incompreensível, com direito a voz e luz, tudo quieto. Será que não teve gente morrendo naqueles três dias sem receber a mensagem cristã? Claro que teve, mas era o tempo do recolhimento, do pensar o pensado e voltar a pensar outra vez, como aquela dor que retorna sem controle e que você quer esquecer, mas não consegue. Volta, entra, invade a cabeça, martela, judia e pergunta: E daí, o que você pretende fazer comigo? Aí quando você vai pegar o pensamento de jeito, acorda; desperta com o coração acelerado e o pensamento foi embora sem escutar a sua resposta. Não dá nem pra provar que era exagero dele. Nunca gostei desse pensamento meio acovardado que pega a gente no sono profundo, depois foge, e depois volta de novo, incomoda, fica rondando, e massacrando, e você só pensando nele. Ocupa a memória toda.

Três dias sem ver, comer ou beber. Estomago embrulhado, esmagado por uma experiência profunda com Deus. Sem prazer. Nada de alegria. Só pensando e se preparando para abrir os olhos, pois teria que ver a vida de forma diferente. Nem sair de casa podia. Uma experiência com Deus que deu a ele o que poderia ser uma depressão. Nos dias atuais tomaria remédio e empurraria não sei pra quando o conversar consigo mesmo. Assim como a dor só se cura doendo, o pensamento só é curado pensando, depois ele cansa e um dia desaparece como se nunca tivesse havido.

Lá estava Paulo à mercê de Deus, num sonho misturado com visão, ou numa visão misturada com sonho, e não sabia se era só sonho de quem queria que a situação fosse outra, ou só visão à espera de uma ação sobrenatural de Deus. Talvez os dois juntos. Um dia viu Ananias, e foi só o que viu.

Três dias vivendo de um sonho, enclausurado em si mesmo, tentando se compreender. Quem era? O que Deus queria? E agora? Espiritualidade sofrida, e que ninguém quer ou  entende: onde estaria hoje?

pr. Natanael Gabriel da Silva

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