sábado, 17 de janeiro de 2015

EU CONFESSO



“Aquele que não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor.” – I João 4.8

Estou pegando um gancho. Talvez impróprio, de gosto pra lá de duvidoso, mas o texto tem que surgir de algum lugar, não é mesmo? Daí eu li durante a semana sobre Deus não ser manco, isto é, não ser apenas amor, mas justiça, e não é preciso saber do restante, porque caminhou na trilha da aplicação da pena, no viés condenatório, e por aí se foi.

Então eu confesso: creio num Deus manco. A metáfora é ruim, não por culpa minha, é claro, porque desde antes tenho sido cartilhado em tantos outros atributos divinos, assim chamados pelo protestantismo confessionalista, que às vezes me perco no entrecortar de um e outro. Mas imagino hoje que tais palavras são apenas referências simbólicas, pedagógicas e sistematizadoras, no tecido de valores a Ele atribuídos, feito rede, que se perdem e se comunicam no emaranhado do tudo junto e misturado. Fica difícil dizer de um, sem os outros; dos outros, sem o um. Mas, deixa isso pra lá.

Bem, um Deus manco não é de todo ruim, porque se aproxima do humano, e continua perfeito na metáfora, onde os trilhos dos símbolos se encontram, ou se aproximam no horizonte, se preferir. Talvez seja isso mesmo, Deus manco, porque é possível que o texto também seja manco. Não é ele que diz: Deus é amor? Talvez porque tenha sido mesmo uma tremenda mancada perdoar quem, justamente, deveria ser apedrejada, e não me venha com aquela história de que o parceiro do adultério estaria entre os que pretendiam apedrejar, porque Jesus não queria ver ninguém morrendo naquele dia, talvez desejasse poetas que escrevessem na areia, e que falam da justiça humana a lápis. Agora, que foi complicado o perdão, sem penalização de ninguém, isso foi. E a mulher Samaritana? Eu sei da sua história, dizia Jesus, mas a fonte da vida nasce por dentro da injustiça humana, restaura a dignidade, e depois não recomendou que voltasse a se casar com o primeiro marido como se a história pudesse ser consertada. Daí vem uma parábola e me diz que quem chegar por último recebe o mesmo! Dá pra entender? É justo? Um opressor numa árvore e pouco depois Jesus, não apenas entra em sua casa, mas passa a noite lá! Não teria gente mais justa pra ser recompensada?

Quem é o maior? Não tem maior! Mas como não tem maior? Tem que ter um maior! Pois é, não tem, só tem menores, só servos, gente lavando os pés dos outros, e todo mundo sendo pequeno. Parece injusto, mas é assim mesmo. O maior só pode ser uma criança, e todo mundo criança, pra nunca mais crescer, porque no Reino não cabem reis, nem rainhas, ditadores da lei como hermeneutas absolutos da verdade, nem pregadores que chamam para si o domínio do humano coletivo, só tem servos. Parece mancada, mas não é. Tragam o cego, aquele que vocês acreditam que está sofrendo porque deve ter feito alguma coisa na vida e recebeu o merecido castigo de Deus e agora tem que ficar à beira da estrada suplicando, é ele mesmo, aquele ali, o cego que não tem nenhum direito, porque se o Reino fosse feito de justos já estaria cheio de tanta gente que se acha; que venha o cego excluído, banido, religiosamente condenado, aquele que não tem chance, o que alimenta a benevolência de vocês que precisam dele pra mostrar piedade, isso, ele mesmo, vou mostrar-lhes onde está aquilo que poderia ser chamado de justiça de Deus. O cego vai ver, porque o que não pode ser medido pela justiça, pode ser vencido pela Graça. Agora, juntem as pessoas e as dividam em grupos, que eu multiplico os pães, e tem pão pra todo mundo, depois vai ter gente dizendo que, aquele que tinha o pão guardado, aprenderá a dividir, mas nunca ninguém saberá de onde veio tanto pão e peixe, e vai ficar assim mesmo. Não é justo, mas se fosse justo, não haveria mistério. Outra coisa que eu sei que não é justa, mas terminado o dia, é bom contar as ovelhas, e vai perceber que a que se perdeu será sempre a última, por matemática e exclusão. Está perdida num buraco, e a noite de trabalho, que será até mais difícil, começa de novo como se fosse o amanhecer. Nada de dizer a ela que se perdeu por merecer, que foi justo o sofrimento, e a deixar sofrer, pelo menos um pouco, para que da próxima vez aprenda a ficar mais atenta. Sofra ovelha, assim você vira gente! - (porque a metáfora, dita pra ovelha, deve ser a promessa de virar pessoa, não é mesmo?).

Amor é isso, é o injusto do perdão, da não causa, do imotivado, do não ter razão para, nem lugar de, nem até aqui, nem depois daqui, sem largura ou profundidade. O amor e a Graça se misturam. Esta não é justa, nem injusta, é apenas Graça. E não tem perna.

Natanael Gabriel da Silva

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