quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

A REINVENÇÃO DO AMOR



“Para alumiar aos que estão assentados em trevas e sombra de morte; a fim de dirigir os nossos pés pelo caminho da paz.” – Lucas 1.79

É, eu sei que as regras e sistemas de fé não deram conta de explicar, mesmo que fosse um pouco, o amor do Cristo. Desde que o cristianismo se deu por instituição e precisou definir impropriamente a expressão de João de que Deus é amor, o conceito tomou o lugar da vida. O amor virou coisa e não foi mais possível encontrá-lo. Ficou meio perdido entre a aceitação de uma doutrina, talvez um pouco mais perto do encantamento das celebrações, quando não se sabe se o amor aparece em favor do adorado ou do adorador, pois na projeção do eu profundo em busca do êxtase, o fiel se solta na adoração e amor a si mesmo, sem se dar conta disso. É por esta razão que cultuar/celebrar tem uma natureza terapêutica. Deste modo a morte vicária do Cordeiro Pascal acaba por se perder, sempre e incansavelmente interpretada, quase no esgotamento da compreensão, a partir das tradições do sacrifício judaico. Assim se reduz, ou quase, a um ritual como o dos tempos antigos. O amor? Esquecido, é claro! Fica novamente à espera de ser reencontrado.

Daí a importância do Natal. Recupero a sábia recomendação do autor de Eclesiastes: lembra-te do teu Criador nos dias da tua mocidade. Isto porque a vida com Deus não é uma fotografia, um instante paralisado na experiência com o sagrado, mas um prolongamento no tempo; é um deslocando, uma jornada, uma condição de presença e peregrinação. Jesus reinventou o amor. Fez dele uma caminhada, o colocou diante da vida e suas contradições. Não é possível entender o sacrifício de Jesus sem o Sermão do Monte, nem ver nos milagres apenas expressões doutrinárias que expliquem uma determinada hermenêutica de fé. Jesus foi o amor caminhante. Amor que ensinou com amor como se deve amar. Depois foi mostrando como é que se recupera um cego pelo caminho, a forma de como se abraça uma criança e, na beleza do encantamento, diz a afirmação que ninguém no mundo consegue explicar: dá o Reino dos Céus aos pequeninos. Estes superam as confissões, não são oficiais de religião, não têm nada a oferecer para quem quer que seja, nem sabem o que seria Lei e doutrinas, histórias e sagas; e as comunidades de fé ficam tentando fixar a chamada idade da inocência para estabelecer o limite do perdão: perdem o conteúdo logo na saída - não é possível dar sentido ao que não tem sentido. Isto é o mesmo que esquecer o amor, ou nunca tê-lo na memória. Memória mesmo, não conceito, mas como história de vida, no inconceitual do que seja estar e ser.

Saiu Jesus amando. Foi entrando e andando pelas ruas a procura de pessoas para serem amadas. Eram os sem destinos, os alijados, excluídos e endemoninhados, marca maior da ausência de amor, como se os tais estivessem na fronteira do esquecimento. Gente que vivia em caverna, na completa falta de solução e cidadania. Adúlteros e cobradores de impostos corruptos, aos quais, na nossa visão, só caberia condenação e pena. Jesus os recupera. Você vai achar que foi por conta de seu poder divino em mudar a história e mostrar-se como perfeitamente Deus fazendo milagres, eu vou preferir como sendo a expressão do amor em movimento, afinal Deus é amor. Talvez eu esteja errado.

Contudo, ou sem tudo, o Natal é para mim a reinvenção do amor. É a história do filho de um carpinteiro e de uma mulher conhecida apenas como Maria. Nasceu na esquecida e pobre Palestina; nela numa vila, e na vila, numa estrebaria. Depois passou a vida se dando em amor, a ponto de escrevê-lo com outra tonalidade e arranjo. Tão exagerado que só foi possível referir-se a ele por meio de parábolas, pois estas são superação de sentido; ou por curas, que nada mais são que inexplicáveis transbordamento de vida. Até quando reescreveu a Lei, principiou pelo exagero da extrema felicidade dos chamados bem-aventurados.

E foi assim que o amor se tornou, ao mesmo tempo, superlativo e pessoa. Depois ressuscitou, para ser eterno.

Natanael Gabriel da Silva

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