“Para alumiar aos que estão assentados em trevas e sombra de
morte; a fim de dirigir os nossos pés pelo caminho da paz.” – Lucas 1.79
É, eu sei que as regras e sistemas de fé não deram conta de
explicar, mesmo que fosse um pouco, o amor do Cristo. Desde que o cristianismo se
deu por instituição e precisou definir impropriamente a expressão de João de
que Deus é amor, o conceito tomou o lugar da vida. O amor virou coisa e não foi
mais possível encontrá-lo. Ficou meio perdido entre a aceitação de uma
doutrina, talvez um pouco mais perto do encantamento das celebrações, quando não se
sabe se o amor aparece em favor do adorado ou do adorador, pois na projeção do
eu profundo em busca do êxtase, o fiel se solta na adoração e amor a si mesmo, sem
se dar conta disso. É por esta razão que cultuar/celebrar tem uma natureza
terapêutica. Deste modo a morte vicária do Cordeiro Pascal acaba por se perder,
sempre e incansavelmente interpretada, quase no esgotamento da compreensão, a
partir das tradições do sacrifício judaico. Assim se reduz, ou quase, a um ritual
como o dos tempos antigos. O amor? Esquecido, é claro! Fica novamente à espera de ser
reencontrado.
Daí a importância do Natal. Recupero a sábia recomendação do
autor de Eclesiastes: lembra-te do teu Criador nos dias da tua mocidade. Isto
porque a vida com Deus não é uma fotografia, um instante paralisado na
experiência com o sagrado, mas um prolongamento no tempo; é um deslocando, uma
jornada, uma condição de presença e peregrinação. Jesus reinventou o amor. Fez
dele uma caminhada, o colocou diante da vida e suas contradições. Não é possível
entender o sacrifício de Jesus sem o Sermão do Monte, nem ver nos milagres
apenas expressões doutrinárias que expliquem uma determinada hermenêutica de fé.
Jesus foi o amor caminhante. Amor que ensinou com amor como se deve amar. Depois
foi mostrando como é que se recupera um cego pelo caminho, a forma de como se
abraça uma criança e, na beleza do encantamento, diz a afirmação que ninguém no mundo
consegue explicar: dá o Reino dos Céus aos pequeninos. Estes superam as
confissões, não são oficiais de religião, não têm nada a oferecer para quem
quer que seja, nem sabem o que seria Lei e doutrinas, histórias e sagas; e as
comunidades de fé ficam tentando fixar a chamada idade da inocência para
estabelecer o limite do perdão: perdem o conteúdo logo na saída - não é possível
dar sentido ao que não tem sentido. Isto é o mesmo que esquecer o amor, ou
nunca tê-lo na memória. Memória mesmo, não conceito, mas como história de vida,
no inconceitual do que seja estar e ser.
Saiu Jesus amando. Foi entrando e andando pelas ruas a
procura de pessoas para serem amadas. Eram os sem destinos, os alijados,
excluídos e endemoninhados, marca maior da ausência de amor, como se os tais
estivessem na fronteira do esquecimento. Gente que vivia em caverna, na completa
falta de solução e cidadania. Adúlteros e cobradores de impostos corruptos, aos
quais, na nossa visão, só caberia condenação e pena. Jesus os recupera. Você
vai achar que foi por conta de seu poder divino em mudar a história e
mostrar-se como perfeitamente Deus fazendo milagres, eu vou preferir como sendo
a expressão do amor em movimento, afinal Deus é amor. Talvez eu esteja errado.
Contudo, ou sem tudo, o Natal é para mim a reinvenção do
amor. É a história do filho de um carpinteiro e de uma mulher conhecida apenas
como Maria. Nasceu na esquecida e pobre Palestina; nela numa vila, e na vila,
numa estrebaria. Depois passou a vida se dando em amor, a ponto de escrevê-lo com
outra tonalidade e arranjo. Tão exagerado que só foi possível referir-se a ele
por meio de parábolas, pois estas são superação de sentido; ou por
curas, que nada mais são que inexplicáveis transbordamento de vida. Até quando
reescreveu a Lei, principiou pelo exagero da extrema felicidade dos chamados bem-aventurados.
E foi assim que o amor se tornou, ao mesmo tempo,
superlativo e pessoa. Depois ressuscitou, para ser eterno.
Natanael Gabriel da Silva
Nenhum comentário:
Postar um comentário