domingo, 27 de abril de 2014

UMA METÁFORA



Um deles feriu o servo do sumo sacerdote e cortou-lhe a orelha direita. Mas Jesus acudiu, dizendo: Deixai, basta. E, tocando-lhe a orelha, o curou. – Lucas 22.50,51

O ódio é como um trem em alta velocidade: ou termina num desastre, quando termina, ou vai parando aos poucos, ameaçado pelo amor.

Só que tem sempre alguém que acha que será capaz de colocá-lo em movimento e depois simplesmente desligar a chave geral, como se a inércia não fosse a virtude principal do deslocamento do ódio. Nunca deu certo, mas também nunca deixou de haver pessoas assim. Passa sempre pelo despertar da fagulha que leva ao desajuste coletivo e aos poucos o inconsciente, também coletivo, se responsabiliza pelo movimento e daí começa a inércia. Nem sempre a memória ou o conteúdo da motivação conseguem ser explicadas, e fica o movimento pelo movimento que dá uma ideia de que todos estão numa única direção com um único sentido possível. Deste modo o ódio adquire vida própria, vontade própria e quando alguém pergunta onde estaria a chave que dera início ao movimento, descobre que a chave não existe, ninguém sabe onde fica, nunca ninguém viu embora todos soubessem da existência. Quem disse que se tratava de um botão vermelho escondido debaixo do painel, descobre que ele mesmo nunca, jamais o vira, depois fica em dúvida se foi um sonho que se transformou em pesadelo, e por mais que queira saber quando foi e quem e qual a razão de ter sido acionado o ódio ao movimento, o anônimo desaparece, como se nunca tivesse havido, para então ser esquecido. É claro que a personificação se dará contra quem, principalmente, defendia o discurso do amor. Será este tido como responsável, pois se há uma coisa que ódio faz, e consegue, é adoecer o amor e tentar anular a legitimidade de quem o defendia, só para mostrar que com ele, o ódio, o jeito não é o amor, mas a identificação e punição dos culpados. Enquanto busca os culpados, o ódio coletivo consegue despertar até nas pessoas que com ele não se afinavam, o que têm de mais primitivo. O que era enorme, fica ainda maior, e a vingança, que alimenta o ódio, e o ódio, que alimenta a vingança, criam o círculo vicioso até que alguém, em algum momento, terá a desventura de lembrar-se do amor. E é assim que o ódio se alimenta do ódio e o amor fica à espera ser lembrado para então reiniciar, outra vez, e muito lentamente, uma nova etapa de redescoberta da vida.

Quando Jesus colocou no lugar a orelha de um dos servos do sumo sacerdote, que segundo João chamava-se Malco, cortada com ódio por Pedro, não fazia apenas uma cura, nem queria somente restaurar a integridade de uma vida, ou ainda afirmar que quase sempre o ódio fere quem não deve: tratava-se, na verdade, de uma metáfora viva. Ou a cruz começava com o amor e com o perdão, ou não teria sentido.

E foi assim que começou o cristianismo.

Natanael Gabriel da Silva

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