segunda-feira, 21 de abril de 2014

O AMOR E A DÍVIDA


(Este é um texto antigo. Escrevi a primeira versão em 1995. Algumas alterações foram necessárias para que o discurso fosse atualizado. Hoje, me lembrei dele, e aqui segue...)

A ninguém devais coisa alguma, a não ser o amor com que vos ameis uns aos outros...    (Romanos 13:8)            

O amor é dívida. Independe do querer, ou não querer, boa ou má vontade. Não está relacionado a qualquer tipo de condição, quer seja do amado ou de quem ama. Não necessita de reciprocidade, nem mesmo de reconhecimento. Quem ama, ama pelo simples fato de amar, sem visualizar recompensa, pois nada que se receba de volta, por maior valor que tenha, jamais poderá suplantar o amor dispensado, ou proceder a uma quitação justa. O pagamento do amor, é amar. Como nunca será possível saber qual seria a intensidade do amor de alguém, a solução é devolver o amor na capacidade máxima do que se pode, daí a conta da totalidade da alma como o montante único de validação. Esta será a única garantia de alguém poder amar na mesma proporção em que foi amado. Não é uma questão de quantidade, mas de potência. Não é um compromisso como se fosse acordo, como se num dado momento dois resolvessem assumir um pacto de se amarem. Terá sempre um início unilateral. Alguém terá que amar primeiro. Foi por este princípio que o amor foi disponibilizado, um estando antes, para que o constrangimento jamais fosse traduzido como obrigação ou comando, e se nos O amamos é porque Ele nos amou primeiro, diz João. Disse e assinou embaixo, porque o amor veio da plenitude do Pai, e do exagero do Filho. Não suportamos a avalanche de amor, nos entregamos, e ainda fizemos pouco. Teremos sempre a sensação que jamais iremos oferecer a mesma magnitude de amor. Fica na paz: a desistência de resposta à altura, não deve gerar culpa, nem medo, muito menos inferioridade, apenas rendição.

Assim, só o amor conquista e exerce o fascínio do constrangimento ao amado, desarma a guarda, estrangula a incapacidade de afeto, restaura ao humano a dignidade da limitação, por mais contraditório que isso possa parecer. O amor é terapêutico. Remédio que passa pelo coração e é transferido para o outro, como se, de passagem, não optasse por nenhum paradeiro. Vai e fica, parece que foi, mas nunca saiu. É ele que faz caminhar uma segunda milha, mesmo que injusta e incompreensível (Mateus 5:41); oferece a outra face, mesmo não concordando com o agressor (Mateus 5:39); faz passar uma noite num jardim, mesmo que seja em agonia (Marcos 14:32-42); transforma riquezas em coisas sem qualquer importância (Filipenses 3:7); ultrapassa os limites do tempo e quarenta anos, serão apenas quarenta anos (Êxodo 2:11 a 3:22); faz do Caos, um paraíso (Gênesis 1:1-2); torna vaqueiros em profetas (Amós 7:14); extrai de prisioneiros, a gratidão (Atos 16:25); dá resistência, esperança e vida ao que está abraçado com desumana agressão (II A Timóteo 4:6-8); faz a terra dos chacais ser conquista pela vegetação do pântano (Isaías 35:7); transforma corações secos em fontes (João 4:10); quebra preconceitos (Atos 10:1-48). Incondicional, o amor faz um rico debruçar-se aos pés do pobre (Marcos 10:17-22); questiona o sono e remete, quem dele não entende, o  caminhar pela noite (João 3:1-21); traz um filho de volta para casa (Lucas 15:11-32); faz do bruto, a resplandecência do rosto do Santo (Gênesis 33:10).

O Amor é o milagre que tem a legitimidade em sua própria essencialidade. Então, se é dívida, é uma ausência. Sendo ausência, não nos pertence. O temos, sem possuir. E quando compartilhamos, oferecemos o que não é nosso, pois o amor é uma condição de meio, está no deslocamento, no movimento em direção ao outro, o seu pertencimento está no público, na alteridade. Por conta disso, tem a natureza reflexa, como um espelho: ao ir, também volta; duplica de tamanho e intensidade: volta no tanto que foi como se fosse um reflexo, mas atravessa o espelho e atinge o outro sem nada perder, como se não tivesse refletido. É um milagre, eu sei.

Não há nada mais belo na vida do que saber amar. Não há alegria maior do que ser amado.

Natanael Gabriel da Silva

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