“Até o pardal
encontrou casa, e a andorinha, ninho para si e para a sua prole, junto dos teus
altares, SENHOR dos Exércitos, Rei meu e Deus meu.” – Salmo 84.3
Eu sei que a cultura religiosa do judaísmo primitivo tinha o
templo como o lugar específico e único do sagrado. Não veja isso como
restrição ao texto, e não o perca por conta disso, achando que aquele
imaginário não merece crédito por dar à santidade um sentido de lugar. Tem um
pouco disso, mas se a expressão do sagrado é a forma mais perfeita de
aproximação do Santo, então a sensibilidade é outra e a mensagem também.
Um Santo que se permite ser profanado por passarinhos. Um
Santo, é um Santo. Não se mistura. Não se toca nele sob o risco de
contaminá-lo. Até o pensar nele é um problema e o se eu quiser falar com Deus
do Gil tem muito a ver com isso. Até pra falar tenho que lamber o chão dos
palácios e castelos que, na minha cabeça, são suntuosos, belos, mas um nada de
nada; ter-me como medonho e triste e por aí se vai. Diante de um Santo só o
falar já é resposta do que o ainda não foi pedido, nem perguntado, ou submetido.
Em alguns casos o mais próximo é o silêncio, pois o Santo não precisa de
palavras, até porque o profano nem sabe direito o que diz e tenta
esconder o que o Santo já sabe e conhece. O Santo já compreendeu antes do
pensamento do profano que gerou palavras, estas nem sempre com algum sentido. O Santo
compreendeu e perdoou, suportou, abraçou e pastoreou. Até o toque das palavras
impuras poderia ser tido como nossa tentativa de macular o Santo; fazê-lo ficar
do nosso lado como se isso fosse a salvação necessária. Um Santo do lado de um.
Ao lado, talvez, porque estar ao lado é dar-se como companhia de uma jornada que
chamamos de vida. Contudo, ao contrário de Gil, o Santo do Salmo não ameaça; é silêncio, abrigo, placidez, a ponto de uma andorinha qualquer
achar que ali é o lugar onde começa a vida. E é.
Agora, um ninho ocupando o espaço exclusivo do sagrado, isso é
demais. Eu sei que você sempre pensou nesse texto quanto à segurança e amparo
de quem se dá por protegido. É, a gente é assim mesmo, sempre pensa mais do
lado de cá, do que do lado de lá, se é que “lados” sejam expressões possíveis,
e talvez seja exatamente isto que o texto queira dizer: não existem lados. O
que há é um Santo que se deixa invadir sem se tornar impuro, agasalha sem
perder a pureza, recebe e divide sem ficar menor; conduz a sensibilidade ao
limite como um exagero e extrema expressão de amor e presença.
Pode fazer o ninho na minha cabeça, que eu deixo, diria o
Santo a nós que temos a nobreza da vida no cérebro, na razão, ou seja, nas
partes superiores e nobres do corpo, como diria Bakhtin em sua leitura de
Rabelais. Fazer ninho na cabeça é o impuro descansando e construindo a vida
sobre o Santo. Uma invasão, até uma impropriedade, quase um abuso. Isso não faz
do impuro, puro no seu sentido pleno, nem contamina o Santo. É apenas aceitação
e abrigo.
É como uma rolinha que fez um ninho na casa de um amigo.
Natanael Gabriel da Silva
Nesse caso então a maior nobreza na santidade é justamente abraçar aquilo que seria seu "oposto" por ser mais que só uma nomenclatura, o santo o é demonstrando isso no abraço e não na reclusa. Pois o "sujo" mesmo só ainda é sujo, e por muitas vezes nos preocupamos com nomes afastando-os, quando o que eles fazem se escondendo é não ter quem os reconheça como sujos. Belo texto Natanael, entendo melhor agora de onde vem a real nobreza da santidade.
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