“O meu mandamento é este: Que vos ameis uns aos outros,
assim como eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a sua
vida pelos amigos.” – João 15.12,13
Daí o clericalismo tomou a recomendação, a transformou numa
verdade eclesiástica e a circunscreveu numa doutrina. Deste modo o texto foi
marcado pela fatalidade, e nunca mais foi possível compreender o seu tamanho.
Ficou curto, doméstico demais, enclausurado na discussão de sua dimensão. Amar
até quando? Até onde? Em que sentido? E em razão de quê?
Não, o texto não é doméstico. É aberto para o mundo, o que
inclui todos. Também se trata de um mandamento que manda amar, como um absurdo,
pois nenhum amor pode surgir por meio de qualquer ordem determinante. Só que mandamento
aqui tem outro sentido. É sem lei, sem comando, determinação ou imposição; é
mandamento como princípio natural de relação, um liame, fluxo aberto entre a
videira e os ramos, seiva corrente e ininterrupta, essência de pertencimento e
inclusão, virtude emanada e inconsciente e que vem pelas veias da vida. Daí o mandamento, que não é mandamento, se
torna consciente e voluntário, porque não suprime a decisão; se dá como vocação
e provocação de tudo o que pode ser mais importante e objeto principal do ser
pessoa, o simplesmente amar, sempre amar, até onde o mundo alcança, na direção
do outro, que simplesmente pode ser chamado de amigo, isto é, tornado amigo por
opção, e ainda, amar em razão de ser este o único caminho para a fraternidade e
cidadania. Não é a comunidade, reduzida à igreja, se amando, como se os doze
indicassem estrutura eclesiástica. Os doze são expressão de um novo tempo para
o mundo. Mundo esse dado neles como potência e ato, ou, ato e potência. Assim é
inaugurado o que poderia ser chamado de tempo de amar. Todo o amor que a
vivência fraterna precisaria, do qual a igreja nunca se aproximou, nem para si,
porque se tornou em gueto de discurso de amor, que depois foi reduzido em
encontros de celebração, antes passando pela diminuição da sistematização, na
busca do sentido do que seria este amor, e como toda sistematização parcial,
concluiu que este amor, primeiramente, não pode ser amplo demais pra incluir
todo o mundo, e tem que começar exclusivamente pela comunidade de fé. Agora, como
a comunidade de fé nunca conseguiu a vivência plena deste amor, morreu então o
amor entre as paredes dos templos, metamorfoseado em discurso de salvação e
espera do céu, maquiado no ensino e pregação, promessa, sonho, conceito, até
ser violentamente reduzido a uma área de conhecimento, na qual basta identificar
que há o amor ágape, o fraterno, o erótico, que cada um significa uma coisa,
como se tudo não fizesse parte do humano, e vamos conhecer a trilogia do amor,
métodos de apresentação, formas, mas principalmente os limites: o amor vai até
aqui. E a exegese se esbaldou, e se você não sabe grego, não pode saber nada
sobre o amor, sinto muito. Então o amor adoeceu no limite do conceituado e do
entendimento, deixou de ser sabedoria e se transformou em coisa; virou lei e deixou
de ser virtude.
Então o mandamento, que vos ameis uns aos outros, é uma
mensagem para o mundo, e o lavrador é o Pai. O ramo ligado à fonte do amor dá
frutos de amor, muitos frutos, em pencas, pendem os galhos a ponto de fazê-los
alcançar o chão. E se você me perguntar onde está a acefalia do mundo, que
decepa ao vivo inocentes em nome da justiça, como um teatro da desumanidade sem
limite, sob o discurso da legitimidade da violência do sagrado, eu diria que o
mundo, hoje e sempre, é um deserto do amai-vos uns aos outros. E é aqui que
começa o que podemos chamar de cidadania: a vida dada na vida do próximo.
Natanael Gabriel da Silva
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